quinta-feira, 5 de maio de 2011

DUAS METÁFORAS DA IGREJA

João é o evangelho da igreja. Ele o escreve para combater dois fortes inimigos: um de fora e o outro de dentro. O de fora são as perseguições desencadeadas por Roma. O de dentro eram as terríveis heresias que atingiam principalmente a divindade de Cristo. Daí, em João, Jesus ser apresentado como o Filho de Deus, o Deus Todo Poderoso, o grande “EU SOU”.
João escreve o mais teológico de todos os evangelhos, devido a sua preocupação com a igreja. A idolatria e o abandono da fé eram os dois males que estavam ocorrendo em função da perseguição e dos falsos ensinos. Diante disso, as duas narrativas, a da mulher adúltera e a do retorno de Pedro à pesca, tomam novos contornos. A minha impressão é que elas foram inseridas a fim de demonstrar algo mais. Talvez João quisesse denunciar os dois males que estavam ocorrendo na igreja da época: a idolatria e o abandono da fé!
Será que a mulher adúltera pode ser uma metáfora da igreja? Vejamos. Ela foi apanhada em flagrante adultério. Ela se prostituiu. Ela entregou o seu amor e a sua devoção a outro. Mas, não é esta a figura utilizada pelos profetas do VT para denunciar a idolatria de Israel? Não é esta a figura utilizada também por Jesus para denunciar a idolatria das Igrejas em Pérgamo (Ap 2:14) e também em Tiatira (Ap 2:20,21)? Será que nós também não temos entregado nosso amor e devoção a outro?
Ela foi alvo da graça e do perdão de Cristo. Ninguém ousou atirar-lhe a primeira pedra. Confrontados com seus próprios pecados, todos se retiraram. E Cristo ficou a sós com a mulher! A ela o tratamento de Cristo é pessoal e restaurador: “Nem eu tampouco te condeno. Vá e não peques mais”. Não é isto que Cristo faz constantemente à sua igreja? Perdoá-la e dar-lhe uma nova chance? Nós, que somos entregues à misericórdia de Deus todos os dias? Uma coisa é a sua igreja ser acusada diante dos homens: eles não têm misericórdia... Outra coisa é a sua igreja ser acusada diante de Cristo: ela alcançará misericórdia e perdão, pois Cristo nos ama acima de nossos amores pervertidos... Não foi assim com Oséias? Um dramático exemplo dessa maravilhosa graça?
Será que Pedro fugindo de sua verdadeira vocação pode ser uma metáfora da igreja? Vejamos. Pedro não somente retorna à pesca, mas leva consigo seus companheiros. Aquele que ouviu dos lábios de Jesus uma nova incumbência, retorna à sua velha vida. Trabalharam a noite toda e nada apanharam... Quando a igreja foge de sua real vocação, ela tende quase sempre ao fracasso: fracassou ao se misturar com o Estado no IV século; fracassou a abraçar a teologia da prosperidade; tem fracassado ao se misturar com a política em nossos dias...
Pedro vê um estranho na praia. Este estranho faz uma pergunta que lhe acentua o fracasso: “Tendes aí alguma coisa de comer?” Ele lhes dá uma ordem que é obedecida, obtendo uma pesca abundante. João reconhece Jesus e o diz a Pedro. Ele agora experimenta o gosto amargo de dois fracassos: o primeiro, o fracasso da pesca; o segundo, o fracasso da negação covarde de Cristo. É assim que muitas vezes a igreja se define: uma congregação de pecadores, traidores covardes que tantas vezes põe o interesse próprio acima do serviço a Deus... Uma congregação que tantas vezes abandona o seu real chamado e se alia ao poder secular para não perder seus “privilégios”... Uma congregação que tantas vezes se emudece diante de vozes tão menos expressivas...!
Mas, a despeito da vergonha da negação e da fuga da vocação, Jesus ama a sua igreja e conta com ela. Pedro vê um estranho na praia, mas Jesus não vê um estranho no barco. Quando a igreja foge de sua real vocação, Cristo a traz de volta, restaurando a comunhão com Ele e restaurando a vocação que provém dele. A refeição na praia e a declaração de amor revelam sua estratégia.
Voltemos às questões iniciais. A mulher adúltera pode ser uma metáfora da igreja? Sim, ela pode. E com ela aprendemos que o amor de Cristo é invencível. A despeito de nossos amores desgovernados e inconstantes, Cristo nos ama até o fim! A fuga de Pedro pode ser uma metáfora da igreja? Sim, ela pode. E com ela aprendemos que o dom e a vocação de Deus são irrevogáveis. Uma vez chamados por Cristo, o seremos até o fim!
Quando sou tentado a olhar para a igreja de Cristo como a “mulher adúltera” ou como “Pedro fugitivo”, lembro-me da pergunta de Jesus feita aos seus discípulos: “Vocês também querem ir embora”, e respondo como Pedro: “Senhor, a quem iremos, pois só tu tens as palavras de vida eterna”.

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