segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A FORMAÇÃO DE UM LÍDER - Neemias 1:1-4

INTRODUÇÃO
Não há nada mais glorioso do que ser usado por Deus.
Hoje, a igreja escolheu 08 de seus líderes.
“A ordem se mantém com líderes sábios e sensatos”, diz Pv 28:2.

A liderança se fundamenta sobre 04 princípios:
1. Tudo se edifica ou se derruba conforme a liderança. A própria história de Israel documenta essa verdade.
2. Liderança é influência. Ela não pode ser delegada, mas conquistada.
3. A prova da liderança são os seguidores. Há alguém seguindo você? Se você precisa lembrar o outro quem é, então você não é (Margareth Thacher).
4. O fundamento da liderança é o caráter e não o carisma.

NARRAÇÃO
Todos esses princípios de liderança nós encontramos na vida de Neemias. Ele foi um homem comum que fez coisas extraordinárias para Deus num período extremamente difícil:
• Jerusalém foi destruída em 586 a.C. O 1º grupo retornou em 537. Em 516 a reconstrução do templo foi iniciada. Em 445 Neemias volta (+ ou – 140 anos depois). Neemias nasceu no cativeiro e serve ao rei Persa, até que houve o relato da situação calamitosa de sua cidade e de seu povo (v 2,3).

A PERGUNTA É: PORQUE DEUS ESCOLHEU NEEMIAS COMO LÍDER? Entre tantas pessoas possíveis, por que Deus escolheu o copeiro de um rei pagão?

1. PORQUE NEEMIAS ERA SENSÍVEL ÀS NECESSIDADES DAS PESSOAS.
1. Ele busca obter informações (v 2);
2. Ele ouve atentamente o relato (v 3);
3. Ele sensibiliza-se com a situação caótica do povo (3,4).
Ele era um judeu, apesar de nascido no cativeiro. Não havia visto os horrores da invasão babilônica. Apesar desses problemas estarem tão distantes dele (1600 km), ele se comoveu.

EXEMPLO: Em Marcos, Jesus está em constante movimento. Seu dia é cheio de afazeres. Em Marcos 4, Ele está a beira-mar, ensinando as multidões. À tarde, ordena que passem para a outra margem (8Km). Ele dorme! Jesus tinha um propósito: libertar um jovem possesso (Marcos 5). Após, imediatamente Ele retorna (5:21). Jesus se sensibilizou com o drama daquele jovem. “Vendo as multidões, compadeceu-se delas por que estavam aflitas e exaustas...”.

APLICAÇÃO: “DEUS USA PESSOAS QUE SE IMPORTAM COM O QUE DEUS SE IMPORTA”.
- COM O QUÊ DEUS SE IMPORTA? C/ os perdidos, os abandonados, os destituídos, os oprimidos pelo diabo e pelo pecado, com os marginalizados, com a injustiça, com a fome, com a miséria, com os muros destruídos... (“Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes”).

ILUSTRAÇÃO: Bob Pierce, fundador da VISÃO MUNDIAL, sempre orava: “Senhor, dá-me um coração que se quebrante diante das mesmas coisas que quebrantem o Teu coração”.

2. PORQUE NEEMIAS ERA INTEIRAMENTE CONFIÁVEL (v 11).
1. Neemias era copeiro do rei. Era um cargo de extrema confiança, principalmente em dias cruéis como aqueles.
2. O rei lhe confiava a própria vida. O copeiro do rei era uma mistura de: primeiro-ministro, guarda-costas, agente de segurança e secretário do rei.

EXEMPLO: Paulo atesta: “O que se requer do despenseiro é que ele seja encontrado fiel” (1Co 4). O despenseiro fiel, leal e confiável é o que Deus deseja na sua obra!

APLICAÇÃO: Jesus nos apresenta 04 formas pelas quais Deus prova nossa confiança e fidelidade (Lc 16:10-13):
1. Deus prova nossa confiança se somos fiéis no pouco (v 10);
2. Deus prova nossa confiança na administração dos nossos recursos (v 11);
3. Deus prova nossa confiança quando sob a liderança de outros (v 12);
4. Deus prova nossa confiança se somos fiéis a um só Senhor (v 13).

DEUS USA PESSOAS A QUEM ELE POSSA CONFIAR A SUA VERDADEIRA RIQUEZA!

3. PORQUE NEEMIAS ERA DISPOSTO A DEIXAR SEU CONFORTO (v 11).
- Ele nasceu em Babilônia;
- Não conhecia Jerusalém;
- Não presenciou sua destruição;
- O problema estava longe dele (Levaria mais de 3 meses para chegar lá).

SERIA MUITO MAIS FÁCIL PERMANECER NO PALÁCIO (v 1) Susã era onde se encontrava o palácio de veraneio do rei Persa.
- Seria mais fácil organizar uma campanha de oração;
- Seria mais fácil mandar uma oferta para a construção;
- Seria mais fácil usar justificativas pela situação do povo (pecado, desobediência, castigo de Deus!)...
- SERIA MAIS FÁCIL não abrir e sustentar um trabalho missionário no sertão;
- SERIA MAIS FÁCIL não iniciarmos a construção de igrejas onde não existem;
- SERIA MAIS FÁCIL ficarmos por aqui e investirmos em bancos, em ar condicionado, em inflar o nosso ego, em criticar...

NEEMIAS, PORÉM, NÃO FEZ ISSO!!!!! Ele se dispõe a ser a resposta de sua oração (2:5).
1. Deus usa aquele que se importa;
2. Deus usa aquele em quem Ele confia;
3. MAS, acima de tudo, DEUS USA AQUELE QUE SE DISPÕE! (Foi assim com Jonas, com Filipe, com Ananias... E pode ser assim com você!)

CONCLUSÃO
“A igreja anda a procura de melhores métodos; Deus anda a procura de melhores homens”.
1. Homens sensíveis à necessidade das pessoas e da igreja;
2. Homens confiáveis, leais e fiéis a Cristo e aos outros;
3. Homens disponíveis a se deixarem usar, a sair de sua situação de conforto.
VOCÊ ESTÁ DISPOSTO A DEIXAR QUE DEUS O USE?

domingo, 22 de novembro de 2009

DUAS CENAS DETERMINANTES

Marcos 5:21-43

INTRODUÇÃO: Uma das maiores bênçãos de se instituir uma família são os filhos, mas também uma fonte de preocupação.

Jairo, um líder religioso respeitado, vivia um grande drama em sua família: sua filha de 12 anos estava gravemente doente.

F.T: Há nesse drama familiar duas cenas que eu gostaria de destacar:

1ª CENA: JAIRO VAI ATÉ JESUS LEVANDO SUA DOR
- A forma que ele vai até Jesus é determinante:

1. Ele vai a Jesus corajosamente (v 22).
- A despeito de sua elevada posição social e religiosa e da perseguição e oposição dos líderes religiosos a Jesus, ele se expõe e vence o medo e o preconceito.

2. Ele vai a Jesus humildemente (v 22).
- Independente de sua alta posição, ele se prostra aos pés de Cristo.
- “Não há lugar mais alto na terra do que aos pés de Cristo. Aquele que hoje está aos seus pés, amanhã estará a sua direita” (Aquele que se humilha será exaltado).
- Ele não exige, suplica. Ele não determina, mas clama por misericórdia (v 23).

3. Ele vai a Jesus perseverantemente (v 23).
- “É na vossa perseverança que ganhareis as vossas almas”, disse Jesus.
- Como a mulher cananéia e sua filha possessa (Mt 15).

4. Ele vai a Jesus esperançosamente (v 23).
- Ele tem fé! Ele crê em milagres! Ele já presenciou um há poucos instantes.
- “Sem fé é impossível agradar a Deus”.



2ª CENA: JESUS VAI COM JAIRO LEVANDO SUA SALVAÇÃO
- O fato de Jesus estar conosco faz toda a diferença:

1. Quando Jesus está conosco, a agenda é dele (v 25-34)
- Os atrasos, os imprevistos, a pressa, fazem parte da agenda do homem, mas não da agenda de Deus (João 11). “Tudo fez Deus formoso em seu devido tempo” (Ec 3).

2. Quando Jesus está conosco, não tememos más notícias (v 35).
- “O grande inimigo de nossa fé não é a razão, mas as emoções descontroladas” (C.S.Lewis).
- “O homem que teme ao Senhor não se atemoriza de más notícias, o seu coração é firme, confiante no Senhor” (Sl 112.7).

3. Quando Jesus está conosco, não há o triunfo da morte, mas a ressurreição da vida (v 38-43).
- O riso da descrença transformou-se em admiração.
- O choro transformou-se em riso.
- O luto deu lugar à festa.
- A morte foi tragada pela vida.
“Eu sou a ressurreição e a vida. Todo aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá eternamente”, disse Jesus.


CONCLUSÃO

1. Você que recebeu nosso convite para participar desse culto especial (E agradecemos de coração a sua presença!);

2. Mas há um outro convite mais sublime a mais importante que o nosso: o de Jesus! “Vinde a mim vós que estais cansados e sobrecarregados e Eu vos aliviarei”.

- “E Jesus foi com ele” (v 24). Isso fez toda a diferença! Por isso, não saia daqui hoje sem Ele. A presença dele com você é determinante e faz toda a diferença: “Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho não tem a vida” (1Jo 5:12).

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UM CHAMADO MUITO ESPECIAL

UM CHAMADO MUITO ESPECIAL
Ex 19:1-25


INTRODUÇÃO

Dois amigos saíram para caçar e prometeram auxiliarem-se mutuamente caso algum perigo ocorresse. Quando entraram na floresta ouviram um terrível rugido de um leão. Mais do que depressa um deles retirou as botas e calçou seu tênis. O companheiro então perguntou: - Você pensa que com estes tênis correrá mais rápido do que o leão? Ao que respondeu: - Não, mas correrei mais rápido do que você.

A grande verdade é que somos pouco confiáveis.
Temos dificuldades em cumprir promessas.


NARRAÇÃO

1. Quando Deus falou a Moisés na sarça ardente, deu-lhe uma animadora promessa: “Depois de haveres tirado o povo de Egito, servireis a Deus neste monte” (Ex 3:12). A promessa havia se cumprido. Eles estavam no monte Sinai. Deus cumpre as suas promessas (v 1,2).

2. Deus havia libertado o povo de Israel, agora Ele entraria numa aliança com eles.

3. Coisas maravilhosas ocorreram no Sinai, mas maior de todas foi a gloriosa manifestação da presença de Deus e a sua poderosa voz falando com eles (v 16-19). Deus agora os submete a um chamado muito especial.

1. DEUS OS CHAMA A UMA VIDA DE LIBERDADE (V 1-4).

1. O povo hebreu nasceu e viveu escravo por 400 anos. Geração após geração eles foram escravos. Eles não conheciam o que era ser livre. A escravidão estava impregnada em sua alma e em seu modo de vida.

2. O Êxodo foi um arrebatamento dramático da terra da escravidão para a liberdade de servir a Deus. Mas, uma coisa é ser liberto da escravidão; outra, é aprender a viver a liberdade.

Ilustração: Conheci um homem que trabalhou por 45 anos numa repartição pública, preso e enclausurado defronte uma máquina de escrever, fazendo sempre as mesmas coisas. Ele sonhava com a liberdade da aposentadoria. Quando, enfim, chegou o grande dia, deram-lhe uma festa de despedida e todos se alegraram com a sua conquista. Estava, enfim, livre de todas as amarras e obrigações. Contudo, em pouco tempo ele entrou em depressão e quase todos os dias visitava seu antigo local de trabalho... Ele não sabia viver em liberdade.

3. É por isso que Deus utiliza a figura da águia carregando os seus filhotes (v 4). A idéia é que a libertação foi promovida por Deus e que o próprio Deus ensinaria o seu povo a gloriosa liberdade de voar. A liberdade deveria ser aprendida pelo povo.

“Foi preciso uma noite para tirar Israel do Egito, mas foram necessários 40 anos para tirar o Egito de Israel”.


2. DEUS OS CHAMA A UMA VIDA DE DIGNIDADE (V 5-8).

1. Vida de dignidade porque entrariam num relacionamento de aliança com DEUS (v 5a). É um pacto de vida que redundaria em grandes privilégios e benefícios ao povo. “Certamente este grande povo é gente sábia e inteligente” (Dt 4:6).

2. Vida de dignidade porque seriam um povo de propriedade exclusiva de Deus (v 5b). De um bando de escravos sem pátria, sem terra, sem identidade, sem governo, Deus os escolheria e os elegeria para ser o seu povo dentre todos os povos da terra.

Moisés recordando este episódio, diz (Dt 7:6-8):
“O Senhor teu Deus te escolheu para que lhe fosses o seu povo próprio de todos os povos que há sobre a terra. Não porque fosseis os mais numerosos, pois éreis o menor de todos, mas porque o Senhor vos amou”. O apóstolo João compreendeu essa graça: “Nós o amamos porque Ele nos amou primeiro”.

3. Vida de dignidade porque seriam um reino de sacerdotes (v 6). “Reino de sacerdotes” significa um grupo de pessoas a serviço do rei. Israel deveria agir como representante de Deus no mundo e em favor do mundo. Eles deveriam manifestar o caráter de Deus e a verdade de Deus ao mundo. A idéia central é que Israel seria um povo especial com uma missão especial: abençoar o mundo todo, cumprindo assim a promessa de Deus a Abraão: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3).

Salmo 67:7: “Abençoe-nos Deus e todos os confins da terra o temerão”.


3. DEUS OS CHAMA A UMA VIDA DE SANTIDADE (V 10-15).

(v 6): “Nação Santa”: Traduz primariamente a idéia de “separação” para o serviço a Deus. Mas, por causa da natureza santa de Deus, passou a ser uma prerrogativa essencial no caráter de seu povo. “Sede Santos, porque Eu sou Santo”, diz o Senhor.

Essa santidade é enfatizada por duas imagens:

1. A lavagem das roupas (v 10, 11, 14, 15). Simboliza a purificação, mas também um recomeço de vida. O povo no deserto tinha pouca roupa adicional, por isso, o ato de lavar-se e trocar de roupa marcavam um recomeço.

Por exemplo: (1) Quando Jacó retorna a Betel com sua família e renova seu voto a Deus construindo um altar, o texto diz: “Disse Jacó a sua família e a todos os que com ele estavam: Lançai fora os deuses estranhos que há no meio de vós; lavai e mudai as vossas vestes” (Gn 35:2). (2) A ocasião em que José foi solto: “Então Faraó mandou chamar José, e o fizeram sair à pressa da masmorra; ele, antes, se barbeou e mudou de roupa” (Gn 41:14).

2. A marcação dos limites ao povo (v 12, 13, 20-25). Deus ensina ao povo de modo dramático que havia uma distância entre um Deus Santo e o homem pecador, bem como do perigo de se apresentar levianamente a Deus.

Exemplos: (1) Nadabe e Abiu (Lv 10) esqueceram-se desse princípio e Deus os matou. (2) A nação de Israel esqueceu-se dessa verdade (O profeta Isaías já denunciava: “Não posso suportar iniqüidade associada a ajuntamento solene”) e terminou no exílio. Em outras palavras, a obra de Deus requer santidade.


CONCLUSÃO

Pedro tomou emprestado este capítulo do Êxodo para se referir a Igreja de Jesus (1Pe2:9,10) e Paulo disse que somos o “Israel de Deus”:
Um povo chamado à liberdade;
Um povo chamado à dignidade;
Um povo chamado à santidade.

Será que é isso que temos sido?
Será que é isso que estamos fazendo?

quinta-feira, 16 de abril de 2009


A REALIDADE DE DEUS


Eu já andei pelo mundo das ciências naturais. Foi lá na Universidade. A sala de aula que freqüentei nutria eficientemente uma visão: a visão materialista do mundo. Para o materialista, tudo o que possuímos se restringe àquilo que alcançamos pelos nossos sentidos. Tudo o que vemos, tocamos, provamos, cheiramos e ouvimos é o que temos. O comportamento humano torna-se fruto do bom funcionamento de glândulas, elementos químicos e descargas de substâncias complexas no cérebro. Tudo o que pensamos e sentimos, todas as impressões da consciência humana se resumem a uma atividade química apenas, nada mais que isso. Tornamo-nos um robô mal fabricado e defeituoso, movido pela química corporal. Infelizmente, estamos tão vislumbrados com nossa arrogância tecnológica e científica, tão mergulhados em nossos projetos egocêntricos, tão preocupados em traçar o nosso destino que não há lugar para mais nada, muito menos para Deus.

Entretanto, a realidade parece ser outra. Apesar dos esforços da ciência em responder aos questionamentos humanos, essa busca pelo valor e significado da vida é um anseio quase irresistível e transcendente à própria ciência. Um desejo universal que sabemos estar bem lá no fundo de nossa alma. Todos, de alguma forma, ansiamos encontrar algum significado e propósito concreto para a vida, e saber que há esperança.

Durante a minha peregrinação sem Deus, dono de mim mesmo, experimentava essa sensação sem compreendê-la. Em minha época de agrônomo, quando ainda desempenhava a profissão no noroeste mineiro, freqüentemente deparava-me com toda a beleza e tranqüilidade do pôr do sol nas chapadas. Por ocasião de minhas visitas as fazendas da região, a topografia plana e o cerrado baixo deixavam a mostra, ao fim da tarde, todo o esplendor da criação. O sol tênue lançava sua luz sobre os Buritis crescidos nas veredas, enquanto as plantações bailavam ao sabor da brisa fresca do final da tarde. Surpreendentemente, saltavam ligeiros e assustados alguns veados campeiros por entre a vegetação rala do cerrado. De tempos em tempos, havia uma revoada estridente de garças em busca de alimentos nos veios d’água das veredas. Ah! Como era belo! Uma cena de silenciosa beleza e majestade. Sentia-me tão pequeno e ao mesmo tempo estranhamente importante. De certo modo fazia parte de tudo aquilo.
Inúmeras vezes eu me isolava naquela imensidão solitária ao cair da tarde e lá estava, no profundo do coração, um sentimento de saudade e nostalgia de algo que não sabia o que era, e que, ao mesmo tempo, enchia-me de paz e esperança. “A presença da ausência”, como definiu o poeta. Uma sensação de pertencer a algo maior que eu não conhecia e que, de algum modo, estava impresso em minha alma. “Confesso que a natureza nunca me ensinou que existe um Deus pessoal, cheio de glória e majestade. Tive de experimentar por um outro meio. Mas a partir dela, a palavra glória passou a ter significado para mim”, escreveu C.S.Lewis. A imensidão das chapadas não me revelou Deus, mas certamente contribuiu para uma percepção de que existe algo mais além do que uma atividade química apenas dentro de nós.

“Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia”, foram as palavras ditas por Jacó. Está lá no livro dos começos – o Gênesis. Mas bem que poderiam ter sido as minhas. Deus estava presente, mas era eu quem não conseguia vê-lo.
Um dia parti de uma festa com minha esposa antes que ela terminasse para fugir do tráfego e dos motoristas beberrões. Enquanto descia uma encosta pouco íngreme e sinuosa, fogos de artifício explodiam atrás da serra. Não ouvia o som por causa da distância, mas os pontos de luz formavam um mosaico colorido, flutuando silenciosamente montanha abaixo, iluminando e acentuando sua majestosa beleza. Em todo o tempo ela estava ali, a exuberante serra, mas não tinha percebido antes sua presença.

Assim também ocorreu com Jacó e porque não dizer com a humanidade. No pódio mais elevado da nossa arrogante sabedoria humana, tornamo-nos completamente ignorantes do conhecimento mais sublime e fundamental que existe – a realidade de Deus. Quando não percebemos Deus no mundo, será que é porque olhamos nos lugares errados ou porque não percebemos a graça diante de nossos olhos?

Conversando com um amigo que luta contra a depressão, obtive com sua definição sobre a doença uma resposta para esta percepção defeituosa.“Ela é irracional e atrapalha a minha vida. Influencia minha visão de tudo no mundo, fazendo-me compreender a vida numa perspectiva sombria e secreta, além de manipular as minhas reações”. É exatamente desta maneira que nossa percepção age, moldando e influenciando todas as respostas humanas daquilo que nos cerca.

Agora, confesso que sou presa fácil da criação. Contemplando as maravilhas do mundo natural e sua extrema complexidade e beleza, sinto vontade de traduzir em linguagem poética o meu êxtase de louvor a Deus pelo seu poder e glória. Tudo é bonito demais! (Vá à Serra do Cipó e veja por si mesmo). Entretanto, devo reconhecer que nem todo o mundo reage aos fatos da natureza, ou de quaisquer outros, da mesma maneira. “As maravilhas do universo não convencem os mais familiarizados com maravilhas, os próprios cientistas”, escreveu o romancista Walker Percy. A consciência materialista dos cientistas molda e conduz as suas respostas em uma outra direção.

Apesar da teimosia dos cientistas, compreendi, afinal, que não existe um só lugar nesse mundo isento da presença de Deus. Todos os nossos atos, todos os nossos pensamentos, sejam virtuosos ou não, são praticados na presença de Deus. Os olhares furtivos, os pensamentos maliciosos, as tramóias premeditadas, as lutas e conflitos internos, as decisões cotidianas tomadas em segredo, as vitórias e derrotas contra o mal, tudo estão sob os olhos misericordiosos e atentos de Deus.

Nas palavras de C.S.Lewis, “Não há terreno neutro no universo: cada centímetro quadrado, cada décimo de segundo é reivindicado por Deus”. Foi o que Walter Ciszeck experimentou num local nada animador: um campo de concentração na Sibéria:

“Deus está presente em todas as partes e está sempre conosco, bastando nos voltar para ele. Portanto, nós é que devemos nos colocar na presença de Deus, nós é que devemos nos voltar para Ele em fé, nós é que devemos passar de uma idéia para a crença ou a consciência de que realmente estamos na presença de um Pai amoroso”.

Descobri que o sofrimento experimentado por Ciszek e tantas outras vítimas servem como um fosso ou como uma ponte para encobrir ou nos aproximar de Deus. No seu caso, aproximou-o de Deus, experimentando sua confortadora presença. Mas o mesmo não ocorreu com alguns de seus companheiros que tiveram sua fé ferida de morte. Qual a razão da diferença? Por que uns experimentam a ponte e outros o fosso escuro? Se Deus é onisciente, isto é, se está presente em todos os lugares deste universo, por que alguns não conseguem enxergá-lo na hora da dor? Talvez o problema esteja no fato de não conseguirem relacionar Deus com o sofrimento, acreditando que a dor é resultado da “ausência” de Deus. Então, a velha pergunta brota com toda a sua intensidade: “Se Deus existe, porque permite tanto sofrimento?” A verdade é que Deus está presente em toda a sua plenitude na dor e na alegria, nos bons e maus momentos pelos quais passamos. Creio, particularmente, que o sofrimento se comporta mais como uma ponte do que um fosso, pois desmascara nossa auto-suficiência em querer comandar nossa existência e nos lança em braços mais competentes.

Esta é uma das grandes verdades paradoxais da vida cristã: a maior adversidade pode produzir as maiores bênçãos...

sábado, 4 de abril de 2009


FRAGMENTOS PARA VIVER OU MORRER


Por trás do cadáver no laboratório, por trás do ressentimento em uma relação, por trás da senhora que dança e do homem que bebe de forma insana, por trás do olhar de fadiga, da crise de enxaqueca, e do suspiro, há sempre outra história, há mais do que nos chega aos olhos (W.H.Auden)

Toda formiga conhece o segredo de seu formigueiro, toda abelha conhece o segredo de sua colméia. Elas sabem de seu próprio jeito, e não do nosso jeito. Somente a humanidade não sabe o seu segredo (Fiodor Dostoievski).

Quando damos as costas para a Luz, tudo a nossa frente se encontra banhado em sombras (Agostinho).

Um homem pode realizar grandes feitos e deter uma enorme quantidade de conhecimento, e ainda assim não ter nenhuma compreensão de si mesmo. Mas o sofrimento faz um homem olhar para dentro de si. Se isso acontecer, então lá, dentro de si, está o começo de sua aprendizagem (Soren Kierkegaard).

Você deseja puni-lo feroz e terrivelmente, com os mais terríveis castigos concebíveis, e ao mesmo tempo salvar e regenerar sua alma? Sendo esse o caso, inunde-o com sua misericórdia! Você verá e ouvirá quanto ele estremecerá e ficará chocado. "Como poderei suportar essa misericórdia? Como poderei suportar tanto amor?" Será isso que ele dirá (Fiodor Dostoievski).

Para chegar ao que você não é, você tem de seguir o caminho no qual você não está (T.S.Eliot).

"Eu era um servo ferido que se separou do rebanho há muito; com algumas flechas profundamente cravadas meu flanco ofegante foi atacado; quando desisti para buscar uma morte tranquila em sombras distantes lá fui achado, por aquele que também fora flechado pelos arqueiros. Em seu flanco Ele sofreu; e em suas mãos e pés, as cruéis cicatrizes. Com uma força gentil, pedindo para si as flechas, ele as puxou para fora, me curou, e me ofereceu vida (William Cowper).

Se nosso Deus fosse um deus pagão ou o deus dos intelectuais - o que para mim é praticamente a mesma coisa -, ele voaria para seu mais remoto céu, e nosso pesar o forçaria a descer à terra novamente. Mas, você sabe que nosso Deus veio para ficar entre nós. Sacuda o punho para ele, cuspa em seu rosto, açoite-o e, finalmente, o crucifique: o que importa? Tudo isso já foi feito a ele (George Bernanos).

Em todos os dramas da antiguidade, quer verídicos, quer encenados, vemos o mesmo padrão: o herói, seja Alexandre, seja Édipo, atinge o ponto mais alto para simplesmente ser derrubado. Só no drama de Jesus aparece o padrão inverso: o herói é derrubado para simplesmente ser elevado (Thomas Cahill).

O ideal cristão mudou e inverteu tudo, de forma que, como é dito no evangelho: "Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus". O ideal já não é a grandeza de um faraó ou de um imperador romano, nem a beleza de um grego ou a riqueza da Fenícia, mas a humildade, a pureza, a compaixão e o amor. O herói não é o rico, mas o mendigo Lázaro; não é Maria Madalena em seus dias de beleza, mas no dia de seu arrependimento; não os que adquirem riquezas, mas os que a abandonam; não os que moram em palácios, mas os que vivem nas catacumbas e cabanas; não os que dominam sobre os outros, mas os que não admitem nenhuma autoridade além da de Deus (Leon Tolstoi).

terça-feira, 31 de março de 2009


O QUE FUI E AINDA SOU


Quero discorrer um pouco daquilo que compreendo, através das Escrituras Sagradas, da prática do dia a dia e do estudo, ser essencial ao ministério pastoral. Para isso, gostaria de utilizar duas metáforas. A primeira é uma analogia daquilo que um dia desempenhei antes de ser chamado e vocacionado por Deus para o ministério. E a outra, daquilo que aprendi com a minha esposa e observação. O apóstolo Paulo também utilizou das mesmas metáforas em sua carta aos crentes de Corinto (1 Coríntios 3).
Eu já fui Agrônomo. Engenheiro diferente. Não lida com números. Lida com a natureza. Cuidei de plantações. Hoje não cuido mais. Minha área de atuação mudou. Passei de um reino para outro. Deixei os vegetais e migrei para os animais (Sempre que penso em seres humanos como animais sinto uma coisa esquisita!). O fato é que cuido de gente, ou, pelo menos me esforço para fazê-lo. Cuidar de gente é mais difícil do que cuidar de plantas. Como escreveu Gabriel Marcel: “A vida não é algo que conseguimos manter unido usando um martelo e continuamos a consertar mediante a nossa habilidade; é um dom imperscrutável”.
Os cuidados dispensados a um campo de soja são extremamente diferentes daqueles dispensados a um grupo de pessoas. Num campo de soja há a uniformidade da espécie com suas exigências básicas e gerais. O que serve para um solitário pé serve para milhares deles. Há de se colocar apenas uma quantidade maior de adubo, água, herbicidas, fungicidas e inseticidas para que respondam satisfatoriamente. A germinação ocorre simultaneamente, bem como todas as etapas fisiológicas de crescimento, maturação e frutificação. Uma ou outra, aqui e ali, ficam mais mirradas. Teimam em não seguir a regra. Não seguem o ritmo natural das outras. Mas isto é exceção, não regra geral. As plantas agradecem o cuidado e respondem em vigor e produtividade.
Com as pessoas não é assim. O que se busca é a comunhão e não a uniformização, pois ela traz malefícios. O pastor não gera súdito. Ele não manipula vidas. Ele gera servos, e servos de Cristo, não dele. Neste processo, que eu chamo de direção espiritual, inclui o ato de prestar atenção a Deus, chamar a atenção para Deus e estar atento a Deus por causa de uma pessoa ou circunstância. E este processo de gestação ocorre com certos cuidados que nunca poderão ser dispensados. Vejamos.
No reino vegetal, o tratamento é dado com base na recomendação da espécie. O milho, o feijão, o trigo, a soja, a laranja, o mamão, a jabuticaba... Cada um requer um cuidado específico que serve para todas as plantas de uma mesma espécie. O homem, espécie, é diferente. Não há uma recomendação única que serve para todos, como ocorre com o milho e a soja. Cada pessoa é única e deve ser cuidada diferenciadamente das outras. “A cura de almas é o cuidado dirigido para as Escrituras, cuidado em forma de ensino, oração e relacionamentos por uma única pessoa ou por grupos, num cenário sagrado ou profano”, escreveu Eugene Peterson. É a combinação de dois elementos essenciais: primeiro, apresentar a palavra eterna e a vontade de Deus e, segundo, cumprir a tarefa no meio das idiossincrasias do local e das pessoas. Em outras palavras, o pastorado inicia-se no púlpito, no batismo e estende-se no discipulado no quarto de hospital, na sala de visitas, no gabinete de aconselhamento, na festa de aniversário, na sala de reuniões. O pastor é aquele que lidera o culto ao mesmo tempo em que é companheiro do povo que o ouve.
É aí que começa a dificuldade e a beleza. Dificuldade porque não existe um método cartesiano de regras para se obter as flores. O bem-estar pessoal não floresce a custa de uma receita de dez passos para se encontrar a felicidade (embora as livrarias estejam cheias delas). Precisamos repelir os “métodos” que teimam em massificar as regras como se as pessoas de uma comunidade fossem um campo de soja. Pelo contrário, toda comunidade tem a sua própria beleza. Perceber este dom abre as portas para o florescimento. Mas, os caminhos são tortuosos, cheios de espinhos e, com freqüência, se cruzam para dificultar ainda mais a saída. Neste percurso, “somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; somos ilustres desconhecidos, entretanto, bem conhecidos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo”, já dizia o apóstolo.
A beleza está em percorrer estes caminhos que, paradoxalmente, conduzem à felicidade, como se fosse uma nova descoberta, uma nova trilha, diferente daqueles utilizados. A pessoa deve ser valorizada em primeiro lugar e não a estrutura, pois a estrutura existe para servir e não para ser servida. Há o respeito da busca. Os momentos dolorosos integram o caminho a seguir. A beleza floresce da descoberta. Quando há descobrimentos, principalmente de destinos, nasce a flor. Descobrindo a estrada certa se chega ao destino. O destino é a paz. Paz com Deus e paz consigo mesmo. O pastor é este descobridor de destinos que integra a pessoa na comunidade, descobrindo seus dons e dando-lhe o tratamento adequado para florescer para o Reino de Deus.
Os pastores são escolhidos pela igreja para cuidar delas e não explorá-las. Para cultivar delicadamente as mudas plantadas pelo Senhor e não construir shopping centers religiosos. Há de se respeitar a congregação como um solo fértil, cheio de potencial e energia, que aguarda o paciente trabalho do jardineiro, a fim de que frutifique para a glória do Senhor. Tiremos, pois, as sandálias dos pés diante da glória da Igreja.
Russell Shedd, em seu livro, “Teologia do Desperdício”, explicitou com muita clareza a função básica do pastor: “Ele tem a responsabilidade de preparar, treinar, equipar e envolver os santos em todos os aspectos da obra do ministério”. Confesso que não é tarefa fácil. Pela simples escolha, seria impossível. É por isso que é uma vocação, e das mais sagradas. Ninguém, à deriva deste chamado, pode avaliar nem de perto o que é “ser pastor”. Descrevemos a tarefa, mas não o sentimento. Pois, “além das coisas exteriores, as realidades visíveis, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas. Quem enfraquece que também eu não enfraqueça? Quem se desanima, que eu também não me inflame?” Esta tem sido a minha meta e o meu fardo. Mas, a beleza é que, apesar de tudo, ele é incrivelmente leve, como disse Jesus.
Mas há uma outra analogia que gostaria de apresentar. A primeira vez que atravessei a ponte Rio-Niterói, experimentei um misto de temor e deslumbramento. Temor pela sua extraordinária altura do mar e deslumbramento pela bela e magnífica obra de engenharia. O que antes custavam horas de barco, agora se podia fazer em poucos minutos de carro. As pontes contêm esta característica que lhe são peculiares: promovem a aproximação entre dois pontos, fornecendo-lhes um lugar comum.
O ministério pastoral é também uma obra de engenharia. É uma ponte a ser construída que une dois mundos. O primeiro diz respeito àquele que experimentamos com os nossos sentidos. É o mundo material de carros, prédios, ruas, telefones, pessoas, árvores, casas, nuvens, etc. O segundo é sobrenatural. Não digo com isso imaginário ou subjetivo, mas transcendente àquilo que conseguimos captar como realidade visível. É o mundo da fé, da crença num Deus pessoal que criou e sustenta todas as coisas pela palavra de seu poder. Estes dois mundos, aparentemente antagônicos, necessitam se interagir com a existência humana. Este é o desafio do trabalho pastoral. Fazer com que as pessoas compreendam e vivenciem que este mundo é de Deus. Que a realidade material está imersa numa outra realidade mais sublime e eterna. Que Jesus Cristo é o Senhor não apenas daquele que nele crê, mas também o supremo governante de todo o universo.
Neste processo de construir pontes ou cuidar de uma plantação há de se lançar mão de um fundamento sólido: a Palavra de Deus. Ela é o substrato suficiente e eficiente para promover uma cidadania celestial. Seus valores e padrões absolutos devem ser conclamados com urgência e autoridade. Urgência pelo pensamento vigente que aboliu toda forma de absolutos, relativizando todo o campo de conhecimento e ética humanos. Autoridade pela degradação dos valores morais que alternam constantemente o mal com o bem.
Um colega meu dizia que ser pastor era apenas conhecer a Deus. Discordo. Quem diz conhecer a Deus são os teólogos. Ser pastor é outra coisa mais abrangente ainda. É conhecer a Deus, através de Jesus Cristo, e relacionar-se com o homem, auxiliando-o a se conhecer a partir do relacionamento com Deus. Percorrerem juntos o caminho que conduz a Deus e a si mesmos. Muitos teólogos conhecem a Deus. Mas os pastores devem conhecer a Deus e as pessoas que Ele criou. Se não fosse assim não seriam pastores. Seriam somente teólogos. A diferença está no “cuidar”. Tratar as pessoas com muita dignidade, lidar com o presente com muito realismo e apresentar o evangelho com muita imaginação. O pastor só é pastor por causa das ovelhas. Se não há ovelhas para cuidar ele se torna outra coisa, menos pastor. Pastores são jardineiros. Teólogos são paisagistas. O ideal seria um paisagista-jardineiro.
De todas as vocações, como já disse, a pastoral é a mais sublime. Sua sublimidade reside numa pessoa: Jesus! Mais do que uma mensagem a proclamar, temos uma vida para testemunhar: a vida de Cristo em nós. A responsabilidade é gigantesca na medida em que tratamos de verdades eternas sobre a vida, morte, salvação, restauração, cura, transformação, etc. Lidamos com pessoas; não com conceitos abstratos e filosóficos, criados a partir de uma mente inquiridora; aumentando ainda mais nossa responsabilidade. Detemos o privilégio de sermos os despenseiros da graça de Deus, isto é, aqueles que cuidam e distribuem o alimento diretamente provindo da dispensa celestial. O alimento, por si só, possui um sabor extraordinário, motivo pelos quais as Escrituras dão testemunho de ser doce como mel. Há de se cuidar, portanto, da forma como é administrada. Ela pode contaminar a doçura do alimento, provocando náuseas ao invés de prazer. Daí, a necessidade de preparo ininterrupto. Razão do meu desejo pelos livros? A reverência à sublimidade do alimento, a Palavra de Deus, à Igreja de Jesus Cristo e a necessidade de me aprimorar a cada dia para responder a tão elevada vocação. “O alimento”, como escreveu Charles Spurgeon, “é sublime demais para que negligenciemos o aprimoramento”. O púlpito é um grande dom e quero utilizar-me bem dele. Não quero me dar por satisfeito com aquilo que já recebi, pois um homem satisfeito é um homem moribundo. Ou, nas palavras de Eugene Peterson, “Uma vida resolvida é uma vida reduzida”. O que eu quero é a fome. Fome de Deus, de sua Palavra. Fome de vida e de obediência a Cristo.
Pensando bem, ainda sou um Agrônomo. Não no sentido profissional da palavra, mas Agrônomo por vocação. Chamado para cuidar de um outro jardim. O jardim que Deus plantou – a igreja – e espera que o façamos florescer.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A CANÇÃO DO PROFETA NO DESERTO DA MORTE


Alguém já disse que há uma diferença entre o poeta e o profeta. Essa diferença está no ouvinte. É que o poeta canta suas canções para os vivos, enquanto o profeta canta suas canções para os mortos. O que os diferencia está no estado do ouvinte: se vivo ou morto. Daí a vocação do profeta ser tão difícil.
É fácil cantar para os vivos. Seus ouvidos estão preparados para receber a música. O seu corpo responde com satisfação ao toque da melodia. Há uma cumplicidade entre o que é falado e o que é ouvido. A música cumpre o seu papel: faz amor com o corpo que estremece diante da beleza. Mas, para os mortos, a coisa muda de figura. Não há resposta. O profeta é o poeta que canta quando não há ninguém para ouvir. Ele canta porque acredita no inacreditável: que mesmo diante da morte, há de se brotar a vida. O profeta é aquele que anuncia ressurreições.
Há nas Sagradas Escrituras uma história surpreendente de um profeta que foi levado ao lugar dos mortos. Ele era uma versão antiga de Louis Musset, um poeta francês que tinha um estranho hábito: declamar seus poemas nos cemitérios de Paris. Aquele era o lugar de sua vocação, um cemitério, cheio de sepulcros com ossos expostos. Nem sequer foram enterrados. Estavam lá, espalhados para quem quisesse ver. Uma visão aterradora, digna de um filme de terror. Ele tinha uma missão: trazê-los de volta à vida através da música que brotaria de suas palavras. Mas como ouviriam se estavam mortos? Que estranha tarefa foi-lhe comissionada: falar aos mortos!
Que palavra seria esta que tem o poder de trazer os mortos de volta à vida?... Ele entra na casa onde há pranto e dor: “... a menina não morreu, mas dorme...”. A cidade está cercada pelos exércitos inimigos, mas ele toma todas as suas economias e compra um pedaço de terra... O corpo da esposa há muito deixou de experimentar os poderes da fertilidade, mas ele compra um bercinho...
O profeta, descobri, é aquele que arranca a etiqueta da morte. Ele anda na contramão do tempo. O normal é nascer, viver e morrer. É a regra geral da vida. Os poetas seguem esta mesma trilha de certezas. Para os profetas, no entanto, é o contrário: morrer, renascer e viver. Por isso não é fácil ser profeta. Há muitos que se autodenominam, é verdade. Mas não passam de poetas medíocres que compõem suas rasas canções com aquilo que todos gostam de ouvir. É necessário, portanto, considerar o que o profeta não é, pois quando conhecemos o contrário, fica fácil entender o correto.
O profeta não é um educador. O educador é aquele que ensina visando à compreensão. O profeta, ao contrário, busca a transformação. Para ele, compreender é pouco. Ele quer mudanças. O professor explica tudo com detalhes a fim de que não haja lugares escuros. Seu negócio é a claridade. O profeta, ao contrário, gosta da neblina. Ele fala mistérios. Enquanto o negócio do professor é o sol, o do profeta é o Vento! E este, sopra onde quer. Independe da vontade e dos conceitos humanos.
O profeta também não é um artista plástico. O pintor é aquele que enfeita aquilo que está morto para devolver-lhe a aparência de vivo. Ele cobre a tela morta com luzes e cores. Ele cultiva as aparências estéticas. O profeta, ao contrário, não se interessa por aparências. Aliás, a última coisa com o que ele conta são com as aparências. Ele sabe que folhas, mesmo exuberantes e viçosas, não matam a fome de Deus. Ele não chama o morto de vivo e nem quer fazer o morto parecer vivo. O profeta não veio para melhorar ninguém. Ele quer vivificar. Tornar vivo o que estivera morto.
O profeta também não é um moralista. Ele tem a plena consciência de que é impossível dar ordens a uma pedra. Ele sabe que morto não responde aos apelos morais e éticos por um simples fato: ele está morto! E morto não é capaz de obedecer a ordens. Não há nada nele que o capacite a responder qualquer apelo que vem de fora. Quem vocifera normas e condutas num cemitério corre o risco de ficar rouco e solitário, quando não, ser taxado de louco.
Por fim, o profeta também não é um líder político. Político é aquele que fala o que todos querem ouvir. Sua estratégia é agradar com lisonjas ouvidos ávidos por prazeres estéticos. Faz promessas mirabolantes em troca de favores concedidos – o voto. Utilizam-se de quaisquer meios para alcançar seus objetivos. Trocam de pele segundo o ambiente em que se encontram. O profeta é diferente. Não tem o selo de nenhum partido por não aceitar meias verdades. Quem se prepuser a iluminar os outros não pode se contentar com verdades relativas. Sua palavra é a inversão da palavra política. Ele fala aquilo que a maioria não quer ouvir. Sua palavra não provoca arrepios sensuais pelo simples fato de provocar indignação em muitos. Ele herdou uma vocação e não uma profissão. E vai cumpri-la a qualquer custo.
Mas, que palavra é esta que tem o poder de trazer vida aos mortos? Certamente não pode ser uma palavra qualquer. Ela não pode pertencer à natureza do profeta. Apesar de arraigada em suas entranhas, a palavra não nasceu dele, fruto apenas de seu conhecimento e experiência. O seu local de origem não pertence à escala das coisas criadas. A palavra da experiência própria não tem o poder de gerar vida. Por isso há de vir de um Outro. Alguém com poder suficiente para ressuscitar os mortos.
Esta palavra não nasce da cabeça. A cabeça é o lugar das razões. É o local onde as racionalidades moram com todas as suas explicações matemáticas e científicas. A palavra do profeta nasce no coração. Ela fala de amor, não de razão. Como dizia o poeta: “O amor não tem porquês. Ama porque ama”. Profetiza bem quem ama, e não apenas entende. De bons entendedores o mundo está cheio. De bons interpretes as universidades estão abarrotadas. O que falta são os apaixonados. Homens que falam movidos pelo amor e não pela agenda.
É uma palavra que não tem por finalidade o esclarecimento, mas a invocação. Ela declara a verdade. Traz à existência a operação do sobrenatural. Liga o céu a terra, e a partir dela acontece o milagre.
Que palavra misteriosa é esta? Há de se obter a resposta nas Sagradas Escrituras. “No princípio era o Verbo. E o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós cheio de graça e de verdade. E vimos a Sua glória...”. A palavra do profeta que traz o morto de volta à vida é o Verbo de Deus - Jesus! E o milagre aconteceu... Como naquele cemitério judeu num livro que li sobre os horrores do holocausto, único lugar onde aquela jovem estaria a salvo das atrocidades dos soldados nazistas e das câmaras de gás, onde escondida numa sepultura próxima a sua, uma menina deu à luz um lindo bebê. O velho coveiro, guardador dos mortos e dos vivos, enrolou-o numa toalha e ao primeiro grito do menino, orou: “Grande Deus, finalmente envias-te o Messias! Pois que outra criança poderia nascer numa sepultura”.
E no cemitério, a vida apareceu...

quinta-feira, 26 de março de 2009

A SENSIBILIDADE QUE ACENDE A VIDA

Fui surpreendido por um quadro. Não um quadro qualquer, pintado em série para ganhar dinheiro numa feira livre. Era um quadro especial. Cenas que retratam a ternura do campo. Amanhecer, montanhas, vacas com suas crias, paiol, árvores, estradas de terra. Especial porque fora pintado com os olhos do coração de esposa. Coração de quem ama e quer agradar. Quadros pintados com os olhos do coração são obras de pura sensibilidade. Sensibilidade é saber ver. Tudo depende dos olhos. “Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é o bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. O essencial é saber ver”, diz Alberto Caeiro.
Jesus sabia ver. Ele passava pelo mundo, jardim de Deus, com os olhos atentos. Não é a toa que sua receita contra depressão era reaprender a enxergar as coisas. “Observai as aves do céu. Olhai os lírios do campo”. Ele sabia do efeito terapêutico da natureza diante da ansiedade. Quem é ansioso perde a sensibilidade de ver. Sofre sem saber por quê. Lembrei-me de um poema de Verlaine:

“Chora em meu coração
como chove lá fora.
Que desconsolação
Me aperta o coração!

[...] Chora em ti sem razão,
coração sem coragem.
Se não houver traição,
Teu luto é sem razão.

Certo, é essa a pior dor:
O não saber por que
Sem ódio e sem amor
Há em mim tamanha dor.”
Por isso a dor do deprimido é cruel: ele sofre sem entender o motivo. Quando se sabe o motivo fica tudo mais fácil. Mas sofrer sem saber por quê é difícil. A névoa escura invade, dificultando a visão e o entendimento. A cura está nas coisas simples que a névoa cegou. Por isso há de se começar pelos olhos. “Eu era cego, agora vejo”.
Os pintores são seres sensíveis. Como também o são os poetas. “Sensível”, no Aurélio, significa: afetuoso, afável, meigo, delicado, compassivo, emotivo, sublime e “humano”. Homo sensibilis. São capazes de perceber de forma mais clara o mundo que nos cerca: a natureza, as pessoas, as circunstâncias, a vida... e responder a ele de maneira sábia e bela. Sensibilidade, como já disse, tem a ver com o olhar. Muito embora os especialistas em ótica sustentem que os olhos são entidades escuras como planetas, e que apenas recebem a luz do mundo exterior, Jesus, poeta, afirma o contrário. Para Ele, os olhos são dotados de luz: “Os olhos são a lâmpada do corpo”. A luz que sai dos olhos inunda o mundo inteiro. Ao contrário, se a luz forem trevas, que grandes trevas serão a existência. A sensibilidade é a luz do olhar que faz o mundo aparecer. O poeta William Blake sabia disso e afirmou: “Um tolo não vê a mesma árvore que um sábio vê”. O sábio vê encantado.
Sensibilidade tem a ver com as mãos. Metáfora do auxílio. O homem sensível é aquele que responde ao apelo do mundo. Seus olhos captam a dor do próximo. Ele fica possuído por um outro sentimento que não é o dele. Sua alma é um condomínio. Cheia de tudo aquilo que experimentou. Poema de Álvaro de Campos:

Trago dentro do meu coração
Como um cofre que não se pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi [...]
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

Quando a alma fica cheia, entorna. Estende a mão e ajuda. Então, ele se compadece: “sofre com”. Eu penso que o contrário de amor não é ódio. É desprezo. É indiferença. Insensibilidade. Quem é insensível vive a rudeza de um coração endurecido pelo cimento da indiferença. Ele não reage. Pedra.
Eu anseio pela sensibilidade dos pintores e dos poetas. Olhar para o mundo de forma encantada e agir de maneira sábia. Para isso é preciso escolher algumas ferramentas que nos auxiliam a quebrar as pedras. A primeira é separar um tempo tranqüilo para ler. Dê a preferência para as Sagradas Escrituras. Elas o tornarão sábio porque tem o fundamento da sabedoria: o temor do Senhor. Sirva-se das coisas e ame as pessoas. Busque não inverter essa ordem. Curta cada momento com a família. Ela é a sua maior realização. Faça exercícios. De preferência a caminhada. É bom para o corpo e para a alma. Alma que não caminha fica doente. Volte a ser criança regularmente: brinque! Vá nadar na cachoeira, passear na roça, ler poesia, soltar pipas...
Porém, minha maior surpresa não estava na tela. Estava no verso. Aquela parte de trás que não contém a “arte”. Estava escrito uma dedicatória: “Ao meu amor com todo o carinho e dedicação. Espero que este quadro te leve a um pedacinho dos seus sonhos...”
A sensibilidade faz a vida florescer aonde ela toca.