terça-feira, 31 de março de 2009


O QUE FUI E AINDA SOU


Quero discorrer um pouco daquilo que compreendo, através das Escrituras Sagradas, da prática do dia a dia e do estudo, ser essencial ao ministério pastoral. Para isso, gostaria de utilizar duas metáforas. A primeira é uma analogia daquilo que um dia desempenhei antes de ser chamado e vocacionado por Deus para o ministério. E a outra, daquilo que aprendi com a minha esposa e observação. O apóstolo Paulo também utilizou das mesmas metáforas em sua carta aos crentes de Corinto (1 Coríntios 3).
Eu já fui Agrônomo. Engenheiro diferente. Não lida com números. Lida com a natureza. Cuidei de plantações. Hoje não cuido mais. Minha área de atuação mudou. Passei de um reino para outro. Deixei os vegetais e migrei para os animais (Sempre que penso em seres humanos como animais sinto uma coisa esquisita!). O fato é que cuido de gente, ou, pelo menos me esforço para fazê-lo. Cuidar de gente é mais difícil do que cuidar de plantas. Como escreveu Gabriel Marcel: “A vida não é algo que conseguimos manter unido usando um martelo e continuamos a consertar mediante a nossa habilidade; é um dom imperscrutável”.
Os cuidados dispensados a um campo de soja são extremamente diferentes daqueles dispensados a um grupo de pessoas. Num campo de soja há a uniformidade da espécie com suas exigências básicas e gerais. O que serve para um solitário pé serve para milhares deles. Há de se colocar apenas uma quantidade maior de adubo, água, herbicidas, fungicidas e inseticidas para que respondam satisfatoriamente. A germinação ocorre simultaneamente, bem como todas as etapas fisiológicas de crescimento, maturação e frutificação. Uma ou outra, aqui e ali, ficam mais mirradas. Teimam em não seguir a regra. Não seguem o ritmo natural das outras. Mas isto é exceção, não regra geral. As plantas agradecem o cuidado e respondem em vigor e produtividade.
Com as pessoas não é assim. O que se busca é a comunhão e não a uniformização, pois ela traz malefícios. O pastor não gera súdito. Ele não manipula vidas. Ele gera servos, e servos de Cristo, não dele. Neste processo, que eu chamo de direção espiritual, inclui o ato de prestar atenção a Deus, chamar a atenção para Deus e estar atento a Deus por causa de uma pessoa ou circunstância. E este processo de gestação ocorre com certos cuidados que nunca poderão ser dispensados. Vejamos.
No reino vegetal, o tratamento é dado com base na recomendação da espécie. O milho, o feijão, o trigo, a soja, a laranja, o mamão, a jabuticaba... Cada um requer um cuidado específico que serve para todas as plantas de uma mesma espécie. O homem, espécie, é diferente. Não há uma recomendação única que serve para todos, como ocorre com o milho e a soja. Cada pessoa é única e deve ser cuidada diferenciadamente das outras. “A cura de almas é o cuidado dirigido para as Escrituras, cuidado em forma de ensino, oração e relacionamentos por uma única pessoa ou por grupos, num cenário sagrado ou profano”, escreveu Eugene Peterson. É a combinação de dois elementos essenciais: primeiro, apresentar a palavra eterna e a vontade de Deus e, segundo, cumprir a tarefa no meio das idiossincrasias do local e das pessoas. Em outras palavras, o pastorado inicia-se no púlpito, no batismo e estende-se no discipulado no quarto de hospital, na sala de visitas, no gabinete de aconselhamento, na festa de aniversário, na sala de reuniões. O pastor é aquele que lidera o culto ao mesmo tempo em que é companheiro do povo que o ouve.
É aí que começa a dificuldade e a beleza. Dificuldade porque não existe um método cartesiano de regras para se obter as flores. O bem-estar pessoal não floresce a custa de uma receita de dez passos para se encontrar a felicidade (embora as livrarias estejam cheias delas). Precisamos repelir os “métodos” que teimam em massificar as regras como se as pessoas de uma comunidade fossem um campo de soja. Pelo contrário, toda comunidade tem a sua própria beleza. Perceber este dom abre as portas para o florescimento. Mas, os caminhos são tortuosos, cheios de espinhos e, com freqüência, se cruzam para dificultar ainda mais a saída. Neste percurso, “somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; somos ilustres desconhecidos, entretanto, bem conhecidos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo”, já dizia o apóstolo.
A beleza está em percorrer estes caminhos que, paradoxalmente, conduzem à felicidade, como se fosse uma nova descoberta, uma nova trilha, diferente daqueles utilizados. A pessoa deve ser valorizada em primeiro lugar e não a estrutura, pois a estrutura existe para servir e não para ser servida. Há o respeito da busca. Os momentos dolorosos integram o caminho a seguir. A beleza floresce da descoberta. Quando há descobrimentos, principalmente de destinos, nasce a flor. Descobrindo a estrada certa se chega ao destino. O destino é a paz. Paz com Deus e paz consigo mesmo. O pastor é este descobridor de destinos que integra a pessoa na comunidade, descobrindo seus dons e dando-lhe o tratamento adequado para florescer para o Reino de Deus.
Os pastores são escolhidos pela igreja para cuidar delas e não explorá-las. Para cultivar delicadamente as mudas plantadas pelo Senhor e não construir shopping centers religiosos. Há de se respeitar a congregação como um solo fértil, cheio de potencial e energia, que aguarda o paciente trabalho do jardineiro, a fim de que frutifique para a glória do Senhor. Tiremos, pois, as sandálias dos pés diante da glória da Igreja.
Russell Shedd, em seu livro, “Teologia do Desperdício”, explicitou com muita clareza a função básica do pastor: “Ele tem a responsabilidade de preparar, treinar, equipar e envolver os santos em todos os aspectos da obra do ministério”. Confesso que não é tarefa fácil. Pela simples escolha, seria impossível. É por isso que é uma vocação, e das mais sagradas. Ninguém, à deriva deste chamado, pode avaliar nem de perto o que é “ser pastor”. Descrevemos a tarefa, mas não o sentimento. Pois, “além das coisas exteriores, as realidades visíveis, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas. Quem enfraquece que também eu não enfraqueça? Quem se desanima, que eu também não me inflame?” Esta tem sido a minha meta e o meu fardo. Mas, a beleza é que, apesar de tudo, ele é incrivelmente leve, como disse Jesus.
Mas há uma outra analogia que gostaria de apresentar. A primeira vez que atravessei a ponte Rio-Niterói, experimentei um misto de temor e deslumbramento. Temor pela sua extraordinária altura do mar e deslumbramento pela bela e magnífica obra de engenharia. O que antes custavam horas de barco, agora se podia fazer em poucos minutos de carro. As pontes contêm esta característica que lhe são peculiares: promovem a aproximação entre dois pontos, fornecendo-lhes um lugar comum.
O ministério pastoral é também uma obra de engenharia. É uma ponte a ser construída que une dois mundos. O primeiro diz respeito àquele que experimentamos com os nossos sentidos. É o mundo material de carros, prédios, ruas, telefones, pessoas, árvores, casas, nuvens, etc. O segundo é sobrenatural. Não digo com isso imaginário ou subjetivo, mas transcendente àquilo que conseguimos captar como realidade visível. É o mundo da fé, da crença num Deus pessoal que criou e sustenta todas as coisas pela palavra de seu poder. Estes dois mundos, aparentemente antagônicos, necessitam se interagir com a existência humana. Este é o desafio do trabalho pastoral. Fazer com que as pessoas compreendam e vivenciem que este mundo é de Deus. Que a realidade material está imersa numa outra realidade mais sublime e eterna. Que Jesus Cristo é o Senhor não apenas daquele que nele crê, mas também o supremo governante de todo o universo.
Neste processo de construir pontes ou cuidar de uma plantação há de se lançar mão de um fundamento sólido: a Palavra de Deus. Ela é o substrato suficiente e eficiente para promover uma cidadania celestial. Seus valores e padrões absolutos devem ser conclamados com urgência e autoridade. Urgência pelo pensamento vigente que aboliu toda forma de absolutos, relativizando todo o campo de conhecimento e ética humanos. Autoridade pela degradação dos valores morais que alternam constantemente o mal com o bem.
Um colega meu dizia que ser pastor era apenas conhecer a Deus. Discordo. Quem diz conhecer a Deus são os teólogos. Ser pastor é outra coisa mais abrangente ainda. É conhecer a Deus, através de Jesus Cristo, e relacionar-se com o homem, auxiliando-o a se conhecer a partir do relacionamento com Deus. Percorrerem juntos o caminho que conduz a Deus e a si mesmos. Muitos teólogos conhecem a Deus. Mas os pastores devem conhecer a Deus e as pessoas que Ele criou. Se não fosse assim não seriam pastores. Seriam somente teólogos. A diferença está no “cuidar”. Tratar as pessoas com muita dignidade, lidar com o presente com muito realismo e apresentar o evangelho com muita imaginação. O pastor só é pastor por causa das ovelhas. Se não há ovelhas para cuidar ele se torna outra coisa, menos pastor. Pastores são jardineiros. Teólogos são paisagistas. O ideal seria um paisagista-jardineiro.
De todas as vocações, como já disse, a pastoral é a mais sublime. Sua sublimidade reside numa pessoa: Jesus! Mais do que uma mensagem a proclamar, temos uma vida para testemunhar: a vida de Cristo em nós. A responsabilidade é gigantesca na medida em que tratamos de verdades eternas sobre a vida, morte, salvação, restauração, cura, transformação, etc. Lidamos com pessoas; não com conceitos abstratos e filosóficos, criados a partir de uma mente inquiridora; aumentando ainda mais nossa responsabilidade. Detemos o privilégio de sermos os despenseiros da graça de Deus, isto é, aqueles que cuidam e distribuem o alimento diretamente provindo da dispensa celestial. O alimento, por si só, possui um sabor extraordinário, motivo pelos quais as Escrituras dão testemunho de ser doce como mel. Há de se cuidar, portanto, da forma como é administrada. Ela pode contaminar a doçura do alimento, provocando náuseas ao invés de prazer. Daí, a necessidade de preparo ininterrupto. Razão do meu desejo pelos livros? A reverência à sublimidade do alimento, a Palavra de Deus, à Igreja de Jesus Cristo e a necessidade de me aprimorar a cada dia para responder a tão elevada vocação. “O alimento”, como escreveu Charles Spurgeon, “é sublime demais para que negligenciemos o aprimoramento”. O púlpito é um grande dom e quero utilizar-me bem dele. Não quero me dar por satisfeito com aquilo que já recebi, pois um homem satisfeito é um homem moribundo. Ou, nas palavras de Eugene Peterson, “Uma vida resolvida é uma vida reduzida”. O que eu quero é a fome. Fome de Deus, de sua Palavra. Fome de vida e de obediência a Cristo.
Pensando bem, ainda sou um Agrônomo. Não no sentido profissional da palavra, mas Agrônomo por vocação. Chamado para cuidar de um outro jardim. O jardim que Deus plantou – a igreja – e espera que o façamos florescer.

2 comentários:

  1. Shalom meu querido revi Luciano,
    amei seu texto e a colocação de como vê seu chamado.Realmente lidar com o homem exige habilidades que ultrapassa a nossa capacidade.Mas,como a própria Palavra diz:tudo vem do Senhor da vida,Ele nos capacita.
    Nossos talentos são uma dádiva de D'us para nós.Agora,eles serão uma dádiva para D'us dependendo da forma que utilizamos.Obrigada pela forma como tem me recebido em sua congregação ,sei que temos algumas experiências diferentes ,mas uma coisa é certa,a verdade do amor de Yeshua nos une.
    com carinho
    Emily Assunção

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  2. Profundo...Achei muito interessante a sua história, pena que nem todos os vocacionados na obra de Deus pensam assim de está conhecendo e prosseguindo em conhecer a Deus, e se capacitam até certo ponto e depois se acomodão, e não buscão mais conhecimento das escrituras sagradas, colocando desculpas para não buscar conhecimento dizendo que o espírito santo capacita, tem até razão no capacita mais tudo depende de Nós, temos que da o primeiro até o último passo...!Fica na paz pastor...!

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