terça-feira, 23 de agosto de 2011

AS INFIDELIDADES CRISTÃS AO CRISTIANISMO





As infidelidades ocorreram e, de certo modo, sempre ocorrerão no meio da cristandade. Elas são individuais ou coletivas e, apesar de incontáveis, difíceis de determinar. Representam desvios, em certo sentido estruturais, que constituíram afastamentos da fé ou das exigências dogmáticas e morais.
No começo do cristianismo já se observam desvios surpreendentes: a resistência dos judeus em aceitar Jesus como o Messias, a resistência à universalidade da mensagem do evangelho para além do “povo eleito”, a expectativa de um Messias político, a introdução dos conceitos filosóficos helênicos na fé, a busca do martírio como excesso de zelo ou desejo de perfeição, o aproveitamento pela igreja de certas estruturas políticas com uma aproximação perigosa aos poderes seculares, dentre outros. À medida que a igreja vai se consolidando, as tentações multiplicam. Vejamos.
Como instituição consolidada, a igreja começa a ter importância não só religiosa, mas, em certa medida, temporal: poder, riqueza, influência e interesses pessoais se assomam. As discussões teológicas, quando existem, se deixam influenciar por motivos que não são o respeito ao sentido justo da revelação. Há rivalidades, formação de grupos afins, vinculados a denominações, comunidades sociais ou tradições culturais, enfim, a vaidades pessoais. As soberbas humanas, desde o cisma entre Roma e Constantinopla, tomaram o centro do palco, transformando o cristianismo em uma imposição como um poder temporal. Estas atitudes, que levaram às guerras de religião, foram impetradas tanto por católicos quanto por protestantes. As conexões temporais, políticas ou de outro tipo que queiram chamar, foram decisivas nas guerras que tomaram a religião cristã como pretexto. O odium theologucum foi freqüente. As discussões foram muitas vezes mais partidárias do que intelectuais. É incalculável o dano que isso causou ao cristianismo, e que ainda tem causado.
Há outras formas mais modernas de infidelidade ao cristianismo. A “aversão” ao mundo, ou ao humano, tem sido uma recorrente tentação. O pretexto parece ser o mesmo: o rigor ascético, como se a criação de Deus fosse agora eleita como inimigo. Com isso, a igreja perde sua capacidade de ser “sal da terra e luz do mundo”, além de criar sub-culturas cristãs herméticas e preconceituosas. A perigosa aproximação aos poderes seculares e políticos parece-nos ser outra tentação. Ela é inquietante em dois sentidos: o primeiro, o servir-se deles em benefício de uma tendência ou interesse particular; o outro, depender desses poderes, ou seja, deixar-se utilizar ou manipular por eles. Não é isso que temos visto? Não há em nossos dias uma aproximação perigosa com estes “poderes”, utilizando-se de uma infundada desculpa de fazer avançar o reino de Deus? O que muitos destes querem é fazer avançar o seu império pessoal...
Contudo, a infidelidade mais grave que postulo talvez seja a que tem maior atualidade em nosso tempo: o esquecimento da outra vida. Para muitos, e por que não dizer para a grande maioria, hoje o mundo atual é o único horizonte possível. Como conseqüência de vários fatores, se foi dissipando a referência à vida eterna, a projeção para uma vida além da que existe. Com isso, essa situação reduziu Deus a uma simples referência nominal na qual mal se pensa. E quando se pensa, pensa-se para saciar a condição atual, esvaziando o cristianismo de um de seus mais sublimes e principais conteúdos. Esta é a situação de grande número de pessoas que se consideram cristãs: católicas, ortodoxas ou protestantes. Para elas, o céu é o limite, conquanto devesse ser o destino. Estas são, por enquanto, algumas infidelidades ao cristianismo que observo.


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