quinta-feira, 16 de abril de 2009


A REALIDADE DE DEUS


Eu já andei pelo mundo das ciências naturais. Foi lá na Universidade. A sala de aula que freqüentei nutria eficientemente uma visão: a visão materialista do mundo. Para o materialista, tudo o que possuímos se restringe àquilo que alcançamos pelos nossos sentidos. Tudo o que vemos, tocamos, provamos, cheiramos e ouvimos é o que temos. O comportamento humano torna-se fruto do bom funcionamento de glândulas, elementos químicos e descargas de substâncias complexas no cérebro. Tudo o que pensamos e sentimos, todas as impressões da consciência humana se resumem a uma atividade química apenas, nada mais que isso. Tornamo-nos um robô mal fabricado e defeituoso, movido pela química corporal. Infelizmente, estamos tão vislumbrados com nossa arrogância tecnológica e científica, tão mergulhados em nossos projetos egocêntricos, tão preocupados em traçar o nosso destino que não há lugar para mais nada, muito menos para Deus.

Entretanto, a realidade parece ser outra. Apesar dos esforços da ciência em responder aos questionamentos humanos, essa busca pelo valor e significado da vida é um anseio quase irresistível e transcendente à própria ciência. Um desejo universal que sabemos estar bem lá no fundo de nossa alma. Todos, de alguma forma, ansiamos encontrar algum significado e propósito concreto para a vida, e saber que há esperança.

Durante a minha peregrinação sem Deus, dono de mim mesmo, experimentava essa sensação sem compreendê-la. Em minha época de agrônomo, quando ainda desempenhava a profissão no noroeste mineiro, freqüentemente deparava-me com toda a beleza e tranqüilidade do pôr do sol nas chapadas. Por ocasião de minhas visitas as fazendas da região, a topografia plana e o cerrado baixo deixavam a mostra, ao fim da tarde, todo o esplendor da criação. O sol tênue lançava sua luz sobre os Buritis crescidos nas veredas, enquanto as plantações bailavam ao sabor da brisa fresca do final da tarde. Surpreendentemente, saltavam ligeiros e assustados alguns veados campeiros por entre a vegetação rala do cerrado. De tempos em tempos, havia uma revoada estridente de garças em busca de alimentos nos veios d’água das veredas. Ah! Como era belo! Uma cena de silenciosa beleza e majestade. Sentia-me tão pequeno e ao mesmo tempo estranhamente importante. De certo modo fazia parte de tudo aquilo.
Inúmeras vezes eu me isolava naquela imensidão solitária ao cair da tarde e lá estava, no profundo do coração, um sentimento de saudade e nostalgia de algo que não sabia o que era, e que, ao mesmo tempo, enchia-me de paz e esperança. “A presença da ausência”, como definiu o poeta. Uma sensação de pertencer a algo maior que eu não conhecia e que, de algum modo, estava impresso em minha alma. “Confesso que a natureza nunca me ensinou que existe um Deus pessoal, cheio de glória e majestade. Tive de experimentar por um outro meio. Mas a partir dela, a palavra glória passou a ter significado para mim”, escreveu C.S.Lewis. A imensidão das chapadas não me revelou Deus, mas certamente contribuiu para uma percepção de que existe algo mais além do que uma atividade química apenas dentro de nós.

“Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia”, foram as palavras ditas por Jacó. Está lá no livro dos começos – o Gênesis. Mas bem que poderiam ter sido as minhas. Deus estava presente, mas era eu quem não conseguia vê-lo.
Um dia parti de uma festa com minha esposa antes que ela terminasse para fugir do tráfego e dos motoristas beberrões. Enquanto descia uma encosta pouco íngreme e sinuosa, fogos de artifício explodiam atrás da serra. Não ouvia o som por causa da distância, mas os pontos de luz formavam um mosaico colorido, flutuando silenciosamente montanha abaixo, iluminando e acentuando sua majestosa beleza. Em todo o tempo ela estava ali, a exuberante serra, mas não tinha percebido antes sua presença.

Assim também ocorreu com Jacó e porque não dizer com a humanidade. No pódio mais elevado da nossa arrogante sabedoria humana, tornamo-nos completamente ignorantes do conhecimento mais sublime e fundamental que existe – a realidade de Deus. Quando não percebemos Deus no mundo, será que é porque olhamos nos lugares errados ou porque não percebemos a graça diante de nossos olhos?

Conversando com um amigo que luta contra a depressão, obtive com sua definição sobre a doença uma resposta para esta percepção defeituosa.“Ela é irracional e atrapalha a minha vida. Influencia minha visão de tudo no mundo, fazendo-me compreender a vida numa perspectiva sombria e secreta, além de manipular as minhas reações”. É exatamente desta maneira que nossa percepção age, moldando e influenciando todas as respostas humanas daquilo que nos cerca.

Agora, confesso que sou presa fácil da criação. Contemplando as maravilhas do mundo natural e sua extrema complexidade e beleza, sinto vontade de traduzir em linguagem poética o meu êxtase de louvor a Deus pelo seu poder e glória. Tudo é bonito demais! (Vá à Serra do Cipó e veja por si mesmo). Entretanto, devo reconhecer que nem todo o mundo reage aos fatos da natureza, ou de quaisquer outros, da mesma maneira. “As maravilhas do universo não convencem os mais familiarizados com maravilhas, os próprios cientistas”, escreveu o romancista Walker Percy. A consciência materialista dos cientistas molda e conduz as suas respostas em uma outra direção.

Apesar da teimosia dos cientistas, compreendi, afinal, que não existe um só lugar nesse mundo isento da presença de Deus. Todos os nossos atos, todos os nossos pensamentos, sejam virtuosos ou não, são praticados na presença de Deus. Os olhares furtivos, os pensamentos maliciosos, as tramóias premeditadas, as lutas e conflitos internos, as decisões cotidianas tomadas em segredo, as vitórias e derrotas contra o mal, tudo estão sob os olhos misericordiosos e atentos de Deus.

Nas palavras de C.S.Lewis, “Não há terreno neutro no universo: cada centímetro quadrado, cada décimo de segundo é reivindicado por Deus”. Foi o que Walter Ciszeck experimentou num local nada animador: um campo de concentração na Sibéria:

“Deus está presente em todas as partes e está sempre conosco, bastando nos voltar para ele. Portanto, nós é que devemos nos colocar na presença de Deus, nós é que devemos nos voltar para Ele em fé, nós é que devemos passar de uma idéia para a crença ou a consciência de que realmente estamos na presença de um Pai amoroso”.

Descobri que o sofrimento experimentado por Ciszek e tantas outras vítimas servem como um fosso ou como uma ponte para encobrir ou nos aproximar de Deus. No seu caso, aproximou-o de Deus, experimentando sua confortadora presença. Mas o mesmo não ocorreu com alguns de seus companheiros que tiveram sua fé ferida de morte. Qual a razão da diferença? Por que uns experimentam a ponte e outros o fosso escuro? Se Deus é onisciente, isto é, se está presente em todos os lugares deste universo, por que alguns não conseguem enxergá-lo na hora da dor? Talvez o problema esteja no fato de não conseguirem relacionar Deus com o sofrimento, acreditando que a dor é resultado da “ausência” de Deus. Então, a velha pergunta brota com toda a sua intensidade: “Se Deus existe, porque permite tanto sofrimento?” A verdade é que Deus está presente em toda a sua plenitude na dor e na alegria, nos bons e maus momentos pelos quais passamos. Creio, particularmente, que o sofrimento se comporta mais como uma ponte do que um fosso, pois desmascara nossa auto-suficiência em querer comandar nossa existência e nos lança em braços mais competentes.

Esta é uma das grandes verdades paradoxais da vida cristã: a maior adversidade pode produzir as maiores bênçãos...

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