quinta-feira, 5 de maio de 2011

DUAS METÁFORAS DA IGREJA

João é o evangelho da igreja. Ele o escreve para combater dois fortes inimigos: um de fora e o outro de dentro. O de fora são as perseguições desencadeadas por Roma. O de dentro eram as terríveis heresias que atingiam principalmente a divindade de Cristo. Daí, em João, Jesus ser apresentado como o Filho de Deus, o Deus Todo Poderoso, o grande “EU SOU”.
João escreve o mais teológico de todos os evangelhos, devido a sua preocupação com a igreja. A idolatria e o abandono da fé eram os dois males que estavam ocorrendo em função da perseguição e dos falsos ensinos. Diante disso, as duas narrativas, a da mulher adúltera e a do retorno de Pedro à pesca, tomam novos contornos. A minha impressão é que elas foram inseridas a fim de demonstrar algo mais. Talvez João quisesse denunciar os dois males que estavam ocorrendo na igreja da época: a idolatria e o abandono da fé!
Será que a mulher adúltera pode ser uma metáfora da igreja? Vejamos. Ela foi apanhada em flagrante adultério. Ela se prostituiu. Ela entregou o seu amor e a sua devoção a outro. Mas, não é esta a figura utilizada pelos profetas do VT para denunciar a idolatria de Israel? Não é esta a figura utilizada também por Jesus para denunciar a idolatria das Igrejas em Pérgamo (Ap 2:14) e também em Tiatira (Ap 2:20,21)? Será que nós também não temos entregado nosso amor e devoção a outro?
Ela foi alvo da graça e do perdão de Cristo. Ninguém ousou atirar-lhe a primeira pedra. Confrontados com seus próprios pecados, todos se retiraram. E Cristo ficou a sós com a mulher! A ela o tratamento de Cristo é pessoal e restaurador: “Nem eu tampouco te condeno. Vá e não peques mais”. Não é isto que Cristo faz constantemente à sua igreja? Perdoá-la e dar-lhe uma nova chance? Nós, que somos entregues à misericórdia de Deus todos os dias? Uma coisa é a sua igreja ser acusada diante dos homens: eles não têm misericórdia... Outra coisa é a sua igreja ser acusada diante de Cristo: ela alcançará misericórdia e perdão, pois Cristo nos ama acima de nossos amores pervertidos... Não foi assim com Oséias? Um dramático exemplo dessa maravilhosa graça?
Será que Pedro fugindo de sua verdadeira vocação pode ser uma metáfora da igreja? Vejamos. Pedro não somente retorna à pesca, mas leva consigo seus companheiros. Aquele que ouviu dos lábios de Jesus uma nova incumbência, retorna à sua velha vida. Trabalharam a noite toda e nada apanharam... Quando a igreja foge de sua real vocação, ela tende quase sempre ao fracasso: fracassou ao se misturar com o Estado no IV século; fracassou a abraçar a teologia da prosperidade; tem fracassado ao se misturar com a política em nossos dias...
Pedro vê um estranho na praia. Este estranho faz uma pergunta que lhe acentua o fracasso: “Tendes aí alguma coisa de comer?” Ele lhes dá uma ordem que é obedecida, obtendo uma pesca abundante. João reconhece Jesus e o diz a Pedro. Ele agora experimenta o gosto amargo de dois fracassos: o primeiro, o fracasso da pesca; o segundo, o fracasso da negação covarde de Cristo. É assim que muitas vezes a igreja se define: uma congregação de pecadores, traidores covardes que tantas vezes põe o interesse próprio acima do serviço a Deus... Uma congregação que tantas vezes abandona o seu real chamado e se alia ao poder secular para não perder seus “privilégios”... Uma congregação que tantas vezes se emudece diante de vozes tão menos expressivas...!
Mas, a despeito da vergonha da negação e da fuga da vocação, Jesus ama a sua igreja e conta com ela. Pedro vê um estranho na praia, mas Jesus não vê um estranho no barco. Quando a igreja foge de sua real vocação, Cristo a traz de volta, restaurando a comunhão com Ele e restaurando a vocação que provém dele. A refeição na praia e a declaração de amor revelam sua estratégia.
Voltemos às questões iniciais. A mulher adúltera pode ser uma metáfora da igreja? Sim, ela pode. E com ela aprendemos que o amor de Cristo é invencível. A despeito de nossos amores desgovernados e inconstantes, Cristo nos ama até o fim! A fuga de Pedro pode ser uma metáfora da igreja? Sim, ela pode. E com ela aprendemos que o dom e a vocação de Deus são irrevogáveis. Uma vez chamados por Cristo, o seremos até o fim!
Quando sou tentado a olhar para a igreja de Cristo como a “mulher adúltera” ou como “Pedro fugitivo”, lembro-me da pergunta de Jesus feita aos seus discípulos: “Vocês também querem ir embora”, e respondo como Pedro: “Senhor, a quem iremos, pois só tu tens as palavras de vida eterna”.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A CANÇÃO DO PROFETA NO DESERTO DA MORTE

Alguém já disse que há uma diferença entre o poeta e o profeta. Essa diferença está no ouvinte. É que o poeta canta suas canções para os vivos, enquanto o profeta canta suas canções para os mortos. O que os diferencia está no estado do ouvinte: se vivo ou morto. Daí a vocação do profeta ser tão difícil.
É fácil cantar para os vivos. Seus ouvidos estão preparados para receber a música. O seu corpo responde com satisfação ao toque da melodia. Há uma cumplicidade entre o que é falado e o que é ouvido. A música cumpre o seu papel: faz amor com o corpo que estremece diante da beleza. Mas, para os mortos, a coisa muda de figura. Não há resposta. O profeta é o poeta que canta quando não há ninguém para ouvir. Ele canta porque acredita no inacreditável: que mesmo diante da morte, há de se brotar a vida. O profeta é aquele que anuncia ressurreições.
Há nas Sagradas Escrituras uma história surpreendente de um profeta que foi levado ao lugar dos mortos. Ele era uma versão antiga de Louis Musset, um poeta francês que tinha um estranho hábito: declamar seus poemas nos cemitérios de Paris. Aquele era o lugar de sua vocação, um cemitério, cheio de sepulcros com ossos expostos. Nem sequer foram enterrados. Estavam lá, espalhados para quem quisesse ver. Uma visão aterradora, digna de um filme de terror. Ele tinha uma missão: trazê-los de volta à vida através da música que brotaria de suas palavras. Mas como ouviriam se estavam mortos? Que estranha tarefa foi-lhe comissionada: falar aos mortos!
Que palavra seria esta que tem o poder de trazer os mortos de volta à vida?... Ele entra na casa onde há pranto e dor: “... a menina não morreu, mas dorme...”. A cidade está cercada pelos exércitos inimigos, mas ele toma todas as suas economias e compra um pedaço de terra... O corpo da esposa há muito deixou de experimentar os poderes da fertilidade, mas ele compra um bercinho...
O profeta, descobri, é aquele que arranca a etiqueta da morte. Ele anda na contramão do tempo. O normal é nascer, viver e morrer. É a regra geral da vida. Os poetas seguem esta mesma trilha de certezas. Para os profetas, no entanto, é o contrário: morrer, renascer e viver. Por isso não é fácil ser profeta. Há muitos que se autodenominam, é verdade. Mas não passam de poetas medíocres que compõem suas rasas canções com aquilo que todos gostam de ouvir. É necessário, portanto, considerar o que o profeta não é, pois quando conhecemos o contrário, fica fácil entender o correto.
O profeta não é um educador. O educador é aquele que ensina visando à compreensão. O profeta, ao contrário, busca a transformação. Para ele, compreender é pouco. Ele quer mudanças. O professor explica tudo com detalhes a fim de que não haja lugares escuros. Seu negócio é a claridade. O profeta, ao contrário, gosta da neblina. Ele fala mistérios. Enquanto o negócio do professor é o sol, o do profeta é o Vento! E este, sopra onde quer. Independe da vontade e dos conceitos humanos.
O profeta também não é um artista plástico. O pintor é aquele que enfeita aquilo que está morto para devolver-lhe a aparência de vivo. Ele cobre a tela morta com luzes e cores. Ele cultiva as aparências estéticas. O profeta, ao contrário, não se interessa por aparências. Aliás, a última coisa com o que ele conta são com as aparências. Ele sabe que folhas, mesmo exuberantes e viçosas, não matam a fome de Deus. Ele não chama o morto de vivo e nem quer fazer o morto parecer vivo. O profeta não veio para melhorar ninguém. Ele quer vivificar. Tornar vivo o que estivera morto.
O profeta também não é um moralista. Ele tem a plena consciência de que é impossível dar ordens a uma pedra. Ele sabe que morto não responde aos apelos morais e éticos por um simples fato: ele está morto! E morto não é capaz de obedecer a ordens. Não há nada nele que o capacite a responder qualquer apelo que vem de fora. Quem vocifera normas e condutas num cemitério corre o risco de ficar rouco e solitário, quando não, ser taxado de louco.
Por fim, o profeta também não é um líder político. Político é aquele que fala o que todos querem ouvir. Sua estratégia é agradar com lisonjas ouvidos ávidos por prazeres estéticos. Faz promessas mirabolantes em troca de favores concedidos – o voto. Utilizam-se de quaisquer meios para alcançar seus objetivos. Trocam de pele segundo o ambiente em que se encontram. O profeta é diferente. Não tem o selo de nenhum partido por não aceitar meias verdades. Quem se prepuser a iluminar os outros não pode se contentar com verdades relativas. Sua palavra é a inversão da palavra política. Ele fala aquilo que a maioria não quer ouvir. Sua palavra não provoca arrepios sensuais pelo simples fato de provocar indignação em muitos. Ele herdou uma vocação e não uma profissão. E vai cumpri-la a qualquer custo.
Mas, que palavra é esta que tem o poder de trazer vida aos mortos? Certamente não pode ser uma palavra qualquer. Ela não pode pertencer à natureza do profeta. Apesar de arraigada em suas entranhas, a palavra não nasceu dele, fruto apenas de seu conhecimento e experiência. O seu local de origem não pertence à escala das coisas criadas. A palavra da experiência própria não tem o poder de gerar vida. Por isso há de vir de um Outro. Alguém com poder suficiente para ressuscitar os mortos.
Esta palavra não nasce da cabeça. A cabeça é o lugar das razões. É o local onde as racionalidades moram com todas as suas explicações matemáticas e científicas. A palavra do profeta nasce no coração. Ela fala de amor, não de razão. Como dizia o poeta: “O amor não tem porquês. Ama porque ama”. Profetiza bem quem ama, e não apenas entende. De bons entendedores o mundo está cheio. De bons interpretes as universidades estão abarrotadas. O que falta são os apaixonados. Homens que falam movidos pelo amor e não pela agenda.
É uma palavra que não tem por finalidade o esclarecimento, mas a invocação. Ela declara a verdade. Traz à existência a operação do sobrenatural. Liga o céu a terra, e a partir dela acontece o milagre.
Que palavra misteriosa é esta? Há de se obter a resposta nas Sagradas Escrituras. “No princípio era o Verbo. E o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós cheio de graça e de verdade. E vimos a Sua glória...”. A palavra do profeta que traz o morto de volta à vida é o Verbo de Deus - Jesus! E o milagre aconteceu... Como naquele cemitério judeu num livro que li sobre os horrores do holocausto, único lugar onde aquela jovem estaria a salvo das atrocidades dos soldados nazistas e das câmaras de gás, onde escondida numa sepultura próxima a sua, uma menina deu à luz um lindo bebê. O velho coveiro, guardador dos mortos e dos vivos, enrolou-o numa toalha e ao primeiro grito do menino, orou: “Grande Deus, finalmente envias-te o Messias! Pois que outra criança poderia nascer numa sepultura”.
E no cemitério, a vida apareceu...

sábado, 2 de outubro de 2010

POLÍTICOS POR VOCAÇÃO OU PROFISSÃO?

Vocação, do latim vocare, quer dizer “chamado”. Vocação é um chamado interior de amor. Amor, não por um homem ou por uma mulher, mas por um “fazer”. Esse “fazer” marca o lugar onde o vocacionado vive seu amor com o mundo. Ali, no lugar do seu “fazer”, ele deseja auxiliar, servir, construir. Faria, mesmo que não ganhasse nada. Faria, mesmo que seu fazer o colocasse em perigo. Faria, mesmo que não tivessem muitos para aplaudir.
A vocação é uma paixão por um jardim. Vou explicar. Deus criou um jardim. Ele não era um urbanista, era um jardineiro, inventor de paraísos. Talvez pelo fato dos hebreus terem sido nômades no deserto. Quem mora no deserto sonha com oásis. Quem é vocacionado, quer cuidar do jardim. Ele é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar, para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso sonhar que o deserto inteiro se transforme em jardim.
Seria bom se fosse verdade que o deserto inteiro se transforme em jardim. Mas, para se transformarem em jardim é necessário braços, ferramentas, disposição. Há de se cavar, plantar, cuidar, arrancar, podar, fazer muros. A nobreza da vocação está em que ela tem o poder para transformar o sonho de um jardim num jardim de verdade onde a vida acontece.
Vocação é diferente de profissão. Na vocação, a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão, o prazer se encontra não na ação, mas no ganho que dela se deriva. O profissional, somente profissional, faz seu “fazer” não por amor a ele, mas por amor a algo fora dele: o salário, o ganho, o lucro, a vantagem. O homem movido pela vocação é um amante, pela profissão é um gigolô.
O perigo é que as vocações podem se transformar em profissões. Por exemplo, aos pastores seguem-se os mercenários. Aos políticos seguem-se os interesseiros. Guimarães Rosa, definindo sua vocação de escritor, disse: “Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem”. Eis aí a diferença fundamental entre a vocação e profissão: o vocacionado deseja a ressurreição do homem, enquanto o profissional sua utilização.
Escrevo para vocês, jovens, para seduzi-los a se tornarem jardineiros. Talvez haja uma vocação adormecida dentro de vocês (como na estória da Bela Adormecida...). Então, em vez de deserto e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor de plantar árvores a cuja sombra talvez nunca se assentem, mas que teriam a alegria de ver homens, mulheres e crianças vivendo e brincando num jardim...

terça-feira, 13 de abril de 2010

PODEMOS SER BONS SEM DEUS?

Li outro dia um artigo com um título intrigante: “Podemos Ser Bons Sem Deus?”. A conclusão do autor, habilmente discutida e ponderada em algumas páginas, bem que poderia ser resumida numa só palavra: Não! Facilmente cedemos ao orgulho e ao egoísmo. A história da humanidade, desde o seu nascimento até os nossos dias, aponta para a mesma conclusão.

Como num filme, cenas de guerras, revoluções, injustiças, terrorismos, atrocidades, chacinas, violência, seqüestros e assassinatos estão impregnados em nossa alma. Convivemos com a maldade humana desde que nascemos. O primeiro choro do bebê já é um prenúncio de que há algo errado conosco e com o mundo. Por que ao invés do choro não há o sorriso?
Refletindo sobre a revolução comunista e as tragédias que se abateram sobre a Rússia, Solzhenitsyn escreveu:

“Passei quase cinqüenta anos pesquisando a história de nossa revolução. Li centenas de livros, coletei centenas de depoimentos e contribui com oito volumes de minha autoria para a iniciativa de remover as ruínas dessa levante. Mas se hoje me pedissem para formular da forma mais concisa possível a causa da desastrosa revolução que ceifou a vida de sessenta milhões de pessoas, eu não poderia ser mais preciso ao repetir: Os homens se esqueceram de Deus; daí a razão de tudo isso ter acontecido”.

Hoje, nas praças de Moscou, longas filas se formam a um simples aviso de distribuição do Novo Testamento. A história mostra o que os homens não querem reconhecer: precisamos de Deus. Pascal, um grande matemático e cientista do passado, disse: “É inútil, homem, buscares dentro de ti mesmo a cura para as tuas misérias. Todo o conhecimento que obtiveres só servirá para mostrar-te que não é em ti mesmo que encontrarás a verdade e o sumo bem”.

Um homem entra numa loja onde um grupo de pessoas se diverte, descarrega uma arma em um deles, despedaçando seus pulmões, coração e entranhas, volta para um outro e envia nova rajada de balas rasgando sua carne e ossos. Como eu poderia crer que Deus o libertaria? Mas se não fosse exatamente este o caso, então não existe esperança. Mas, será que é possível redimir a cultura? É possível. E a solução é simples: de dentro para fora. A partir do indivíduo para a família e daí para a comunidade, a semelhança de uma onda atingindo toda a praia.

Preste atenção nestes três personagens.

Rafael é aquele que comete os mais absurdos e abusados atos contra tudo e contra todos. Não respeita nem se importa com quem quer que seja. Jamais esconde suas ações, pelo contrário, orgulha-se delas como um troféu da sua rebeldia. É ingrato, irreverente, desafeiçoado, vil e mesquinho. Então vem Deus. E esse degenerado seguro de si e escandaloso começa a refletir sobre seu comportamento. Como resultado, ele continua a errar, mas agora já sente que essa incontrolável e invencível vontade de pecar é sua pior e mais terrível condição. Ele consegue detectar seu lado escuro da alma e se enche de temor.

João é uma pessoa de seu tempo. É amigo bom, respeitável e útil, talvez mesmo de bom coração. Mas não tem tempo para Deus e nem se interessa por Ele, ou pelo menos não tem o menor propósito de conhecer a Sua vontade. Talvez não se oponha ao sentimento religioso, nem a uma atmosfera devocional, nem a ocasiões festivas de natureza religiosa, particularmente se elas não o embaraçarem de continuar sua vida egocêntrica. Então Deus entra em ação, e esse homem amante dos prazeres do mundo, seguro de si mesmo, começa a sentir-se como que a naufragar ou afogar-se em seu próprio sangue. Sente agora que seu mundanismo é a maldição de sua vida. Mas, ao mesmo tempo, percebe que ama o mundo e as coisas que o mundo pode oferecer, e teme e odeia esse Deus que perturba seu principal divertimento.

Francisco é um homem religioso. Vive sua religião de forma intensa, emocional e exaltada. É um intelectual que se preocupa com o conhecimento e com o caráter. Ele sente que alcançou um degrau a mais, que encontrou uma forma adequada de conduta aprovada por Deus. Jamais pessoa alguma se sentiu mais satisfeita consigo mesma. Seguro de si manobra o próprio Deus para satisfazer-lhe a piedade. Então Deus entra em ação, e perturba todas as coisas. Surpreendido, ele descobre que religião e Deus não são a mesma coisa. A partir daí ele observa que a sua religião nunca lidou ainda com Deus, mas apenas com o seu ego. Pela primeira vez ele descobre que Deus não está interessado pela sua religião, mas sim pelo seu coração e sua vontade. Até essa época não havia pensado em ter um relacionamento com Deus.

De certa forma todos nós nos identificamos com eles. Um deles sou eu, em menor ou maior grau. Qual será? Embora a humanidade teime em percorrer caminhos alternativos, colocando-se no lugar do Criador, ela nunca promoverá uma real transformação. Será um engodo, uma falsificação grosseira da original. Somente Deus é capaz de criar dentro do homem um inescapável reconhecimento do fato de estar ele em conflito com a vontade divina. Por causa de seu imenso amor, Deus nos concedeu o seu melhor, no nosso estado pior.

Lembrei-me agora de um experimento em que o grande cientista Issac Newton quase perdeu a visão. Fitando a imagem do sol refletida num espelho, o brilho provocou-lhe queimadura na retina, sofrendo cegueira temporária. Mesmo permanecendo três longos dias num ambiente escuro, ainda assim o ponto brilhante não apagava de sua vista. “Empreguei todos os meios para afastar meu pensamento do sol”, escreveu, “mas, era-me impossível desvencilhar-me de sua luz”.

O experimento de Newton representou para mim uma parábola para ilustrar o que ocorrera com Rafael, João e Francisco. Após um encontro com Deus, a plena força do sol, sofreu uma invasão de luz que ficou impressa para todo o sempre em suas almas. Era impossível se desvencilhar. Com o brilho do seu amor, Deus derrete os grilhões que nos mantinham cativos. Leva um a um de nós a nos atirarmos diretamente nos seus braços abertos de amor. É essa nova experiência do amor de Deus que coloca o homem na posição certa e exata para com a vida e o capacita a voltar-se para Ele.
E assim acontece a bondade...

terça-feira, 6 de abril de 2010

UM VISLUMBRE DO CRUCIFICADO

Considere as pessoas que passavam insensíveis pelo Salvador quando estava pendurado na cruz. Como eram cruéis! Mas antes de julgá-las, vamos nos lembrar que muitas ainda hoje estão fazendo o mesmo. Elas se enquadram em três tipos:

PRIMEIRO: AQUELES QUE QUEREM A CRUZ, SEM CRISTO. São os religiosos: Aqueles que estão travestidos de uma capa de aparência de santidade, como se fossem os defensores imbatíveis da moral cristã, a quem Jesus chamou de “sepulcros caiados”, ou seja, “por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”. São os supersticiosos: Aqueles que se utilizam da cruz como um amuleto sagrado. São os modernos “adoradores de relíquias” do passado. Buscam aquilo que lhes dê substância à sua fé defeituosa e inconsistente. Precisam se acercar de objetos como “água do Jordão”, “anel ungido para casamento”, “água abençoada em cima da geladeira”, “óleo ungido de Israel”, e por aí vai... São os místicos: Aqueles que fundamentam sua crença na “experiência”. Buscam apenas “experiências místicas” como forma de auto-afirmação e proeminência sobre os outros. São os “espirituais”. Mas, na visão de Paulo são, na verdade, “enfatuados, cheios de malícia em sua mente carnal porque não retém o cabeça, que é Cristo”.

SEGUNDO: AQUELES QUE QUEREM O CRISTO, SEM A CRUZ. São os vitoriosos: Aqueles que proclamam sempre a vitória como o único propósito de vida para o cristão. São aqueles que somente enxergam um Cristo vencedor, mas são incapazes de vislumbrar um cordeiro que foi levado para o matadouro. Cultuam o marketing da imagem, já que precisam parecer aos outros sempre na crista da onda, cheios de saúde, vitalidade e dinheiro. São os consumidores: Aqueles que buscam e querem, a qualquer custo, os benefícios de Cristo, e só. Tratam a Deus como um poderoso mordomo de luxo que está obrigado a satisfazer-lhes todos os desejos e caprichos, à custa de uma “determinação humana”. Mas desprezam o evangelho da renúncia, do sacrifício envolvido, da negação da vontade própria e dos prazeres do ego. Para eles o discipulado não é “tome a sua cruz”, mas “abandone a sua cruz”. São os abastados: Aqueles que se preocupam apenas com a prosperidade. O negócio deles é o material, o “ter” como evidência da bênção de Deus. Como naquela letra da música: “Quanto mais tem mais quer”. Exibem seus bens como um tesouro adquirido pela “mão de Deus”, como se adquirir riquezas fosse sinal do favor de Deus. Eles se esquecem da máxima do evangelho que é “melhor dar do que receber”. O evangelho de Jesus é o evangelho do “dar” acima do “obter”, de “dividir” ao invés de “multiplicar”, do “distribuir” ao invés de “adquirir”.

TERCEIRO: AQUELES QUE NÃO QUEREM NEM CRISTO, NEM A CRUZ. São os insensíveis: Aqueles que mantêm uma postura indiferente diante de Cristo e de sua cruz. Diante da grandeza de sua obra redentora permanecem alheios, mesmo contemplando o quadro, mesmo convivendo com a sua realidade. São “indiferentes”. Para esses, Jesus foi um mártir apenas, condenado por suas idéias revolucionárias. São os endurecidos: Aqueles que, devido à convivência com o pecado em suas vidas, tornam-se petrificados a tudo aquilo que diz respeito a Deus e a sua Palavra. Endurecidos pelo pecado, não conseguem fazer germinar e florescer a semente implantada. Escutam, mas não ouvem. Enxergam, mas não vêem. São os orgulhosos: Aqueles que retiraram há tempo Deus do centro e colocaram seu próprio ego. Como dizia Chesterton: “Quando abandonamos a Deus colocamos outro em seu lugar”. Eis o seu Deus: “eles mesmos”. São aqueles que confiam em si mesmos e na força de seu próprio braço. A revelação foi substituída pela razão, e Deus pelo homem. São aqueles que se colocam no centro, como um grande astro, cujos planetas orbitam em sua volta.

E nós, de que tipo somos? Espero que de nenhum tipo destes acima, e sim, aqueles que querem Cristo e a sua cruz com todas as suas implicações possíveis.

terça-feira, 30 de março de 2010

CARTA AOS ADOLESCENTES E AOS PAIS

      Atenção, eles chegaram! E parecem querer dominar o mundo. Quem são eles? Os adolescentes, claro! Por isso, precisamos saber quem são esses invasores...
     Primeiro, a adolescência não é um problema, é apenas mais uma fase do desenvolvimento humano. Todos nós passamos por ela. É uma fase de transição, e como toda transição, conflituosa. É conflituosa porque estão no limiar entre crianças e adultos. Ora são uma coisa, ora outra. É também uma fase de auto-afirmação. Acham-se detentores de toda sabedoria dos tempos modernos, suplantando em muito os anos de vivência e maturidade dos pais. É uma fase de erupção. Estranhos órgãos começam a despontar, outros a desaparecer. As mãos se transformam em asas. Eles querem voar para longe. A língua sofre uma retração. Eles se calam (com os pais, é claro!). O cordão umbilical transforma-se no cordão virtual. Eles estão constantemente conectados com o bando.
     Segundo, há dois tipos de adolescência. Há a adolescência “etária”, que é um fenômeno fisiológico e perfeitamente normal. Geralmente ocorre dos 12 aos 19 anos com as características descritas acima. Mas, há também a adolescência “otária”, que é um fenômeno social e anormal. Ocorre uma perturbação no comportamento tais como zombarias, rebeldias, pichações, gangues, rachas em alta velocidade e outras disfunções do tipo.
     O comportamento social do adolescente pode ser comparado ao comportamento social e psicológico das maritacas. Vejamos. As maritacas andam sempre em bandos, assim como os adolescentes. Maritaca solitária é aberração. As maritacas são todas iguais. Olhe para um bando de adolescentes e tente distinguir alguém diferente. As maritacas gritam todas ao mesmo tempo. Você já experimentou sentar-se ao lado de uma mesa de adolescentes? É o que mais se aproxima do alvoroço das maritacas. E por fim, as maritacas não se importam com a direção em que voam, mas com o agito enquanto voam.
     Se você é pai de adolescente é hora de cair na real. Seu filho não é mais criança. Como já afirmei, as mãos deram lugar as asas. Você será substituído pela turma. Por isso, fique atento na turma da qual seu adolescente anda. A liberdade vigiada ainda é a melhor estratégia já que todo adolescente vive a “Síndrome de Sansão”, o poder e a força chegaram com os pêlos. Papai e mamãe devem canalizar este “poder” para a vida e a bondade.
     Se há em sua casa um adolescente rebelde procure detectar se a “causa” da rebeldia não está dentro de casa. Na maioria das vezes a rebeldia é uma auto-afirmação para esconder uma carência. Procure não dar ordens ou conselhos, pois ele fará o contrário. Dê carinho, amor, aceitação e responsabilidades, pois assim se sentirá valorizado. Mas, acima de tudo, ore. Coloque seu adolescente no altar do Senhor e esteja sempre por perto para juntar os cacos. A “cura” vem com o tempo.
     Não há mais como evitar, os invasores chegaram. Resta-nos oferecer-lhes o que temos de melhor: o amor!

terça-feira, 23 de março de 2010

OS MISSIONÁRIOS SÃO DESEQUILIBRADOS?

Os missionários são desequilibrados? Claro que são. Provavelmente, ele começou como um homem ou uma mulher comum. Vestia-se como as outras pessoas. Tinha os mesmos gostos de qualquer um de nós. Porém, mesmo antes de sair para o campo, ele se tornou diferente. Admirado por alguns, digno de dó de outros, ele era conhecido como alguém que estava deixando o país, os projetos e o lar por uma visão.
Agora que ele voltou parece ainda mais diferente. Para ele, algumas coisas – grandes coisas – simplesmente não parecem importantes. Os jogos do campeonato estadual ou até mesmo nacional não o interessam de maneira especial. Ele aparentemente não vê as coisas como as outras pessoas vêem. Os assuntos do momento parecem deixá-lo indiferente. Onde será que ele esteve?
Ele esteve onde o conflito com o mal é aberto e intenso, uma luta, não uma moda. Onde as roupas não se combinam porque há pouco tempo para se preocupar com isso. Onde as pessoas estão morrendo, carecendo de qualquer ajuda que ele possa oferecer, e a maioria delas sem ao menos saber que ele tem algo a dar. Onde o calor é de 48 graus à sombra e ele não pode perder tempo refugiando-se nela.
Não só os valores, mas o tempo parece ter passado para ele. Quando você fala sobre “Diante do Trono”, “Toque no Altar”, “Show Gospel”, ele olha espantado. Quando você menciona o filme ganhador do Oscar ele pergunta o que é isso. Você não imagina há quanto tempo ele está fora.Tudo bem, quanto tempo ele ficou fora? Tempo suficiente para que 30 milhões de pessoas fossem para a eternidade sem Cristo, sem nenhuma oportunidade de ouvir o evangelho, e algumas delas bem diante de seus olhos: quando aquele frágil barco afundou, quando aquela epidemia de cólera se espalhou, quando aquele conflito armado islâmico se deflagrou... Tempo suficiente para ver uns poucos homens e mulheres se entregando a Cristo, vê-los beberem do ensinamento que lhes deu. Tempo para lutar e sofrer com eles por causa da perseguição oriunda de parentes e amigos não-cristãos. Tempo para ver um pequeno grupo se desenvolver numa igreja local.
Então, ele é diferente. Mas, parece desnecessário agora. Bem que ele poderia dar mais atenção ao que está acontecendo em seu país, às roupas, à vida social, ao lazer, já que está aqui. É claro que poderia. Mas, ele não pode esquecer que o dinheiro de um terno novo compraria três mil Novos Testamentos, que enquanto gastamos um dia no trabalho, cinco mil indianos ou chineses vão para a eternidade sem Cristo. Logo, quando um missionário volta para a igreja ou para o seu grupo de cristãos, lembre-se de que ele provavelmente estará diferente.
Lógico, o missionário está desequilibrado.
Mas, pelo padrão de quem? O nosso ou o de Deus?